Israel pressiona, e governo Bolsonaro muda voto na ONU sobre direitos na Palestina

Itamaraty instruiu missão a se abster em resolução que pede parecer da Corte Internacional de Justiça

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Brasília

O governo de Jair Bolsonaro (PL) cedeu a pressões de Israel e instruiu a missão do Brasil na ONU a mudar um voto relacionado à questão de direitos humanos na Palestina.

Em meados de novembro, na comissão de descolonização das Nações Unidas, o país votou favoravelmente à resolução intitulada "Práticas Israelenses que Afetam os Direitos Humanos do Povo Palestino no Território Palestino Ocupado". Na reunião do colegiado, a redação foi adotada por 98 votos —foram ainda 17 contrários e 52 abstenções.

Nesta segunda-feira (12), estava prevista a confirmação da votação no plenário da Assembleia-Geral, em Nova York. De acordo com diplomatas ouvidos reservadamente pela Folha, na maioria dos casos o Brasil mantém nessa instância o posicionamento adotado em comissões. O Itamaraty, porém, determinou formalmente que a delegação se abstenha nos debates da representação.

Debate sobre a questão israelo-palestina em reunião do Conselho de Segurança da ONU, em Nova York - Eduardo Muñoz - 8.ago.22/Reuters

A votação, de toda forma, acabou adiada, porque o texto foi enviado para análise de outro colegiado, responsável por temas administrativos e orçamentários.

O Itamaraty foi procurado pela Folha para comentar a ordem enviada por Brasília, mas não respondeu. A ordem para a mudança de voto gerou incômodo entre diplomatas, que afirmam que alterações do tipo entre a comissão e o plenário passam uma mensagem de falta de previsibilidade e confiança para outros países do sistema ONU. Eles apontam ainda que o Brasil tem um histórico de voto favorável em resoluções com teor semelhante analisadas no passado.

Em linguagem dura, o texto aprovado na comissão de descolonização demanda que Israel interrompa "todas as medidas contrárias à lei internacional [...no] território palestino ocupado". Diz ainda que os israelenses devem deixar de adotar "legislação discriminatória, políticas e ações que violem os direitos humanos da população palestina, incluindo morte e ferimento de civis".

Por fim, critica medidas como prisões consideradas arbitrárias, deslocamentos forçados e destruição e confisco de propriedades.

De acordo com pessoas que acompanham o tema, a pressão de Israel contra o texto foi redobrada devido à inclusão de um item que pede um parecer jurídico da Corte Internacional de Justiça.

A consulta ao tribunal visa responder a duas questões: "quais são as consequências legais da contínua violação por Israel ao direito de autodeterminação do povo palestino?" e "como as práticas e políticas de Israel afetam o status legal da ocupação e quais as consequências legais que se impõem para todos os Estados e para as Nações Unidas a partir desse status?"

A menção à Corte Internacional de Justiça foi criticada por Israel durante a análise do tema na comissão de descolonização.

De acordo com um comunicado da ONU, o representante de Tel Aviv disse na ocasião que envolver a instância internacional "dizimaria qualquer chance de reconciliação entre Israel e palestinos", apontando ainda que "tais resoluções demonizam Israel e isentam os palestinos de qualquer responsabilidade pela sua situação atual".

O período Bolsonaro nas relações exteriores foi marcado pela adoção de uma linha pró-Israel nos temas do conflito no Oriente Médio discutidos em fóruns multilaterais.

A adesão a teses israelenses foi mais aprofundada no período em que a chancelaria foi comandada pelo então ministro Ernesto Araújo. Ainda na campanha presidencial de 2018, o atual presidente chegou a prometer mudar a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém —cidade disputada, que Israel considera sua capital—, mas a ideia foi abandonada após forte oposição de países árabes e do agronegócio brasileiro.

A chegada de Carlos França ao comando do Itamaraty moderou o discurso. Embora não tenha abandonado a orientação de ficar mais próximo dos israelenses, o atual chanceler trouxe de volta às manifestações do Brasil uma linguagem abandonada por Ernesto.

Em maio de 2021, por exemplo, França pediu que o Exército de Israel exercesse "contenção máxima" num conflito na Faixa de Gaza e aceitou receber uma delegação de embaixadores árabes em Brasília —grupo que não teve interlocução com o ideologizado antecessor.

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