Descrição de chapéu Mundo leu

Livro usa conversa de bar para fazer defesa de Israel e radiografar o país

Atriz e ativista tenta se contrapor à propaganda que mira destruir a reputação do Estado

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São Paulo

O amor é uma forma aceitável de conhecimento, desde que o sujeito amoroso reconheça o que há de imperfeito na realidade pela qual sente forte apego. Pois é mais ou menos o que ocorre com o Estado de Israel radiografado por Noa Tishby em "Israel: Uma Nação Fascinante e Incompreendida".

No livro, lançado pela Contexto, a produtora cultural, atriz e ativista procura se contrapor à propaganda que tenta destruir a reputação de seu país. A tentativa de destruição se dá por um amplo espectro que vai do puro desconhecimento até, segundo ela, a militância maldosa, praticada por meio de fake news, difundidas por grupos que boicotam econômica e culturalmente o pequeno Estado do Oriente Médio.

É um conflito que se desloca para além do campo militar, no qual Israel demonstrou não ter nada a temer. O paradoxo é que o país, cercado por vizinhos que lhe são hostis, precisa reiterar aos quatro ventos sua necessidade de existir. É uma reiteração dolorida e singular entre os quase 200 países que integram as Nações Unidas.

Judeus em orações antes de Yom Kippur, o dia do perdão, no Muro das Lamentações, em Jerusalém - Ronen Zvulun - 3.out.22/Reuters

Noa Tishby poderia ter redigido um panfleto militante e muito chato, apelando para estereótipos que contaminam a linguagem dos que acreditam ter razão. No entanto, tenta, ao conversar informalmente com o leitor, comportar-se como se estivesse numa mesa de bar, deixando escapar gírias e jargões próprios à cultura pop.

Dois exemplos. Em 1947, com a resolução da ONU de partilha dos territórios britânicos na Palestina, "enquanto os recém-chamados israelenses saíam às ruas para celebrar, as forças militares da Síria, da Jordânia, do Egito e do Iraque, com a ajuda da Arábia Saudita e do Sudão, preparavam-se para invadir o Estado que acabara de sair do forno". Sair do forno é metáfora arriscada, tão pouco tempo depois do Holocausto.

Ou ainda, em lugar de evocar um filósofo ou um profeta para se referir ao fato de Israel não ter sido extirpado do mapa, a autora retoma as palavras de sabedoria de Mick Jagger. Pois foi o vocalista dos Rolling Stones quem disse proverbialmente que "nem sempre se consegue o que se quer".

São poucos os momentos em que a ativista perde a paciência. Um deles é ao abordar o direito de retorno dos árabes refugiados pela Guerra de Independência, em 1948. Na ponta do lápis, foram de 700 mil a 750 mil que deixaram suas casas, em troca da promessa dos países inimigos de que retornariam após a aniquilação de Israel.

Mas o roteiro não deu certo —e essa massa ainda hoje é tutelada por uma agência da ONU. Ela mora empobrecida em campos de refugiados e contrasta com os 150 mil árabes que preferiram permanecer em Israel. Eles estão hoje perfeitamente integrados, com direitos econômicos e políticos (elegem deputados para o Parlamento unicameral) e formam uma comunidade que cresceu e totaliza um quinto da população.

Quanto aos 750 mil, se reproduziram e são hoje 5,6 milhões na terceira geração —que simplesmente não caberiam dentro de um Estado de 9 milhões de habitantes.

A questão apenas não faria sentido caso Israel tivesse sido derrotado nas guerras desencadeadas por uma parcela de seus 21 vizinhos árabes, que somam 423 milhões de habitantes. No entanto, a história tomou uma direção favorável aos israelenses, e os mais inconformados hoje compõem o Hamas, grupo religioso e radical islâmico que controla a Faixa de Gaza e bombardeia Israel com mísseis de fabricação caseira. Só em 2018 foram disparados 1.119 mísseis contra civis israelenses.

E os defeitos de Israel? Noa Tishby menciona três vezes a existência de preconceito dos judeus contra os árabes, mas não chega a discorrer sobre políticas públicas que neutralizem o problema. E não relaciona a agressividade cultural de grupos religiosos judaicos de ultradireita com os poucos e sangrentos atentados que seus simpatizantes cometeram contra civis palestinos.

Como progressista e de esquerda, a autora impõe clara distância com os "haredis", judeus ortodoxos que se vestem de preto, não servem o Exército e têm as próprias escolas —nas quais não se ensina matemática, inglês e informática. Com isso, eles se marginalizam do mercado de trabalho e sobrevivem na pobreza com um número bem superior de filhos que as famílias judias laicas.

A democracia israelense nada faria para reprimir as opiniões de comunidades como essas. Elas têm o direito de conceber a religião e a política da maneira como bem entenderem, por mais que sejam um estorvo profundo quando se trata de reconhecer o direito às terras dos árabes e o que eles podem e devem fazer com a Cisjordânia, hoje entrecortada por colônias judaicas. É algo que funciona como um forte obstáculo para a paz.

Seria bom que Noa Tishby discorresse mais longamente sobre esse tema. Mas o livro já é tão rico em termos históricos e pessoais que talvez exista assunto de sobra para uma nova publicação. A primeira já é excelente.

Israel: Uma Nação Fascinante e Incompreendida

  • Preço R$ 79,90 (352 págs.)
  • Autor Noa Tishby
  • Editora Contexo
  • Trad. Margarida Goldsztajn
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