Filipinas liberam mais bases militares aos EUA, e China fala em perigo à paz na região

Extensão de acordo aumenta tensão no Indo-Pacífico em meio a ameaças de Pequim contra Taiwan

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São Paulo

Em movimento que reaproxima as Filipinas dos EUA em meio a um cenário de tensão no Indo-Pacífico, especialmente devido às ameaças da China contra Taiwan, ilha que o gigante asiático vê como uma província rebelde, Manila concedeu a Washington nesta quinta (2) maior acesso às suas bases militares.

Agora, os americanos ampliarão a cooperação com o arquipélago em mais quatro instalações, o que eleva o total a nove, na maior presença armada dos EUA no país em cerca de 30 anos. O trato não prevê presença permanente ou novas bases comandadas apenas por Washington.

As localizações das bases não foram oficialmente divulgadas, mas, de acordo com Carlito Galvez Jr., secretário de Defesa das Filipinas, o governo de Joe Biden pediu para usar instalações em Luzon, maior ilha do país e próxima de Taiwan, e em Palawan, no sudoeste, perto das disputadas ilhas Spratly.

Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, (esq.) em visita às Filipinas nesta quinta (2)
Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, (esq.) em visita às Filipinas nesta quinta (2) - Rolex dela Pena via Reuters

"A aliança ajuda a defender um Indo-Pacífico aberto e livre", afirmou Lloyd Austin, secretário de Defesa dos EUA. "Discutimos ações concretas para lidar com atividades desestabilizadoras em águas filipinas e seguimos comprometidos com o reforço das nossas capacidades para resistir a um ataque."

A referência não nomeada é a China, que logo reagiu ao aumento da presença americana no vizinho. Para Mao Ning, porta-voz da chancelaria chinesa, o movimento "eleva tensões e põe em perigo a estabilidade regional". "Países da região devem seguir vigilantes e evitar que sejam usados pelos Estados Unidos".

A decisão conjunta aumenta ainda mais a tensão no Indo-Pacífico, área que vem ganhando força no xadrez geopolítico devido à perspectiva de se tornar palco de eventuais conflitos futuros, em especial após a visita, em agosto, da então presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, a Taiwan.

O movimento marca também uma vitória diplomática dos EUA contra a China, que tenta aumentar sua influência sobre as nações insulares do Pacífico. Pequim, por sua vez, viu fracassar em 2022 a proposta de um acordo regional de segurança justamente com esses países, em geral pequenos mas estratégicos.

A intenção da cooperação dos EUA com as Filipinas não é segredo, e o próprio secretário de Defesa americano deixou claro em seu discurso que a reaproximação ocorre no contexto de "reivindicações ilegítimas" da China nas águas ocidentais do arquipélago. Desde maio de 2021, os dois países asiáticos trocam acusações relativas a manobras militares e bloqueios na área em disputa.

Pequim reivindica 85% do mar do Sul da China, sobrepondo-se às pretensões de Manila e de outros países, como Indonésia, Malásia, Vietnã e Brunei. A área é uma das rotas de comércio marítimo mais importantes do mundo, por onde passam cerca de 80% do petróleo e gás importado pelos chineses anualmente.

O anúncio desta quinta, uma extensão do Acordo de Cooperação de Defesa Aprimorada (EDCA, na sigla em inglês), assinado em 2014, mostra também uma maior disposição em relação aos EUA por parte do líder filipino, Ferdinand Marcos Jr., eleito em 2022, na comparação com seu antecessor, Rodrigo Duterte.

O hoje ex-presidente filipino era contrário aos acordos e defendia melhores relações com os chineses, o que esfriou o elo com os EUA, ainda que em nível insuficiente para derrubar os tratos.

Também há certa resistência interna à presença do aliado, que colonizou o arquipélago do fim do século 19 até 1946. Nesta quinta, do lado de fora do quartel-general visitado pelo secretário americano, manifestantes queimaram bandeiras dos EUA e pediram o fim da presença militar estrangeira no país.

Os ventos, entretanto, mudaram. Em novembro, após a eleição de Marcos Jr., conhecido como BongBong e filho do ditador de mesmo nome, a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, esteve no país asiático, e o atual presidente filipino já se encontrou duas vezes com Biden.

A prioridade ocidental na região é reforçar a capacidade de apoio a Taiwan. Nesta semana, um documento vazado revelou previsões do general Mike Minihan, chefe do Comando de Mobilidade Aérea dos EUA, para quem o país entrará em guerra com a China em 2025 —a avaliação foi ecoada pelo deputado republicano Michael McCaul, presidente do Comitê de Assuntos Exteriores da Câmara.

No texto, Minihan chama a atenção para as eleições presidenciais de 2024 tanto na ilha autônoma como nos EUA, um calendário que "oferecerá a Xi [Jinping, líder chinês] uma América distraída".

Esteja a previsão certa ou errada, a situação na região parece piorar diante do agravamento das tensões diplomáticas e militares. Na quarta, o atual presidente da Câmara dos EUA, o republicano Kevin McCarthy, reagiu a uma pergunta sobre uma possível visita a Taipé dizendo que a China não pode dizer a ele aonde ir.

Já Jens Stoltenberg, secretário-geral da Otan, a aliança militar do Ocidente liderada pelos EUA, advertiu os chineses durante visita a países do leste asiático. "Qualquer tentativa da China de tentar mudar o status quo pelo uso de força militar terá consequências também para aliados da Otan."

As farpas entre a China e a aliança ocidental têm crescido desde que Pequim passou a denunciar o que vê como expansão do clube militar na Ásia. Trata-se do mesmo argumento que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, usa em referência ao Leste Europeu e como justificativa para a guerra que insiste em chamar de "operação militar especial".

"A Otan arruinou a Europa. Agora tenta arruinar a Ásia-Pacífico e até o mundo?", questionou a chancelaria da China no ano passado, dois meses após o início da Guerra da Ucrânia. Stoltenberg, por sua vez, afirmou à época que iria incluir Pequim na estratégia de defesa da Otan devido à "crescente influência e às políticas coercitivas" do regime.

Taiwan é reconhecida como parte do território chinês pela grande maioria da comunidade internacional, incluindo EUA e União Europeia. A ilha, porém, mantém fortes laços comerciais e militares com o Ocidente, que sustenta posição na prática ambivalente. A ilha fez de sua indústria de chips uma proteção contra o fim dessas relações, apesar da falta de reconhecimento oficial. Esse mercado é dominado por Taiwan, e a tecnologia envolvida na fabricação de equipamentos eletrônicos é crucial para diversos setores produtivos ao redor do mundo, como o de telecomunicações e de armamentos.

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