Relação com Maduro e posição sobre guerra arranham agenda de Lula

Desgaste em pauta ambiental e entraves no acordo do Mercosul também podem prejudicar Brasília nas relações internacionais

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Brasília

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passou a conviver nos últimos dias com o risco de importantes frentes de sua política externa sofrerem reveses em decorrência das suas próprias falas e da ofensiva do Congresso contra o Ministério do Meio Ambiente.

O tropeço mais recente aconteceu na terça (30), quando os louros de reunir pela primeira vez em anos líderes da América do Sul, de diferentes correntes ideológicas, foram ofuscados por reações negativas à sua tentativa de reabilitar internacionalmente o regime do ditador Nicolás Maduro, da Venezuela.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, durante encontro em Brasília - Ueslei Marcelino - 29.mai.23/Reuters

Assessores do Planalto afirmam que Lula trabalha em quatro frentes principais para a sua política externa. A principal e mais ousada é usar o histórico de neutralidade do país para tentar negociar a paz na Guerra da Ucrânia. A avaliação do Executivo é que grandes forças do Ocidente, como Estados Unidos e Europa, estão envolvidas de alguma forma no conflito, o que abriria espaço para o Brasil ser protagonista na mediação entre as partes.

A capacidade do Brasil de se apresentar como interlocutor neutro, no entanto, foi aos poucos reduzida, com falas polêmicas de Lula insinuando que Washington e União Europeia têm interesse em prolongar o conflito. Ele também passou a ser visto pelo Ocidente como mais inclinado para o lado russo. Episódio síntese da situação atual foi o desencontro entre Lula e o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, na reunião do G7, no Japão —com cada lado culpando o outro pelo fato de a reunião não ter ocorrido.

No plano regional, Lula viu sua busca por liderar uma nova integração na América do Sul ser questionada nesta semana. O petista conseguiu atrair todos os presidentes da América do Sul a Brasília para dialogar, mas mesmo aliados do governo avaliam que erros abalaram a imagem positiva do encontro.

Os brasileiros já previam resistência à iniciativa de recriar a Unasul, organização associada à época de ouro da esquerda na região. A situação, no entanto, piorou com a recepção oferecida na véspera a Maduro, que reabilitou no cenário internacional o ditador venezuelano. Lula deu tratamento especial ao chavista, afirmou que aquele era um "momento histórico" e descreveu como "narrativas" as críticas contra violações de direitos humanos e falta de democracia na Venezuela.

No encontro entre os presidentes sul-americanos, que seria fechado, o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou abriu uma live nas redes sociais para todos ouvirem sua condenação à fala de Lula. Tampouco o esquerdista Gabriel Boric, do Chile, poupou o brasileiro.

Interlocutores reconhecem que a reunião terminou de maneira indesejada, com o assunto Maduro contaminando a discussão. No entanto, afirmam que as falas de Lula não foram os únicos erros.

Primeiro, a análise é que a recepção a Maduro não deveria ter sido feita antes do encontro entre os presidentes sul-americanos. Provocou a reação dos críticos do venezuelano e criou uma assimetria entre os países da região, colocando em xeque a imparcialidade de Lula.

Alguns assessores avaliam que Maduro deveria, sim, ser recebido, em sinal da retomada das relações e do diálogo com um importante ator sul-americano. No entanto, dizem que isso deveria ter sido feito em uma reunião no dia seguinte ao encontro coletivo, como ocorreu com o colombiano Gustavo Petro.

Fora Maduro, há críticas ao formato do encontro em si, que deveria ser menos "aberto" e conter uma pauta concreta de discussões. A visão é compartilhada por especialistas em relações internacionais. "O processo de integração está amortecido. O que se pode alcançar hoje é cooperação em torno de interesses comuns e de maneiras de se enfrentar problemas compartilhados. Integração, se houver, será resultado de um longo processo", afirma Jorge Ramalho, professor da Universidade de Brasília.

Interlocutores citam outro embate envolvendo Lacalle Pou na reunião que evidenciou o impasse. A proposta brasileira previa futuros diálogos entre "emissários presidenciais". O uruguaio então se opôs a esse formato e defendeu que as tratativas fossem feitas por meio dos chanceleres. Dessa forma, o direitista buscou evitar que a liderança do processo ficasse com o assessor especial da Presidência para política externa, Celso Amorim —um dos arquitetos da Unasul, quando chanceler nos mandatos de Lula.

Outra frente do presidente nas relações exteriores que se viu ameaçada nos últimos dias é o trunfo internacional na área do meio ambiente. Uma das derrotas nessa área foi a aprovação da medida provisória que reestruturou a Esplanada dos Ministérios. A proposta acabou desidratando os ministérios de Marina Silva (Meio Ambiente) e Sonia Guajajara (Povos Indígenas).

A aprovação na Câmara do marco temporal para demarcação de terras indígenas também prejudica a imagem do Brasil no exterior. Além disso, há a discussão sobre a possibilidade de perfuração de poço de petróleo pela Petrobras na Foz do Amazonas, ação que conta com apoio de parlamentares e mesmo de ministros do governo Lula.

O governo busca jogar para o Parlamento a responsabilidade por eventual abalo na imagem do país, ressaltando as dificuldades enfrentadas devido à força da bancada ruralista e a necessidade de ter maioria sólida no Congresso. Por outro lado, mesmo parlamentares aliados, ao menos em parte, responsabilizam o Planalto por não marcar com ações práticas que a pauta ambiental é prioridade.

Outra aposta de Lula é conseguir firmar o acordo entre Mercosul e União Europeia, que ganhou novas complicações com exigências dos dois lados. Nesta sexta-feira (2), por exemplo, o presidente disse que um acordo de livre comércio entre os blocos não será firmado caso os europeus não aceitem as condições do Brasil, além de ter afirmado que a proposta atual de acordo precisa de um ajuste.

Um dos entraves são as compras governamentais —Lula já avisou que não irá abrir mão de mantê-las 100% nacionais. Alguns analistas citam que a demanda brasileira é uma resposta às novas exigências europeia por mais garantias de proteção ao meio ambiente, que o governo considera descabidas.

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