Ditadura de Mianmar reduz pena de Suu Kyi 1 dia após recrudescer autoritarismo

Símbolo da luta pela democracia, líder birmanesa teve pena reduzida de 33 para 27 anos

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São Paulo

Numa aparente estratégia morde-e-assopra, a ditadura de Mianmar determinou nesta terça (1º) anistia e redução das penas de milhares de presos. O anúncio ocorre um dia após os militares prorrogarem o estado de exceção no país por mais seis meses, em ação que recrudesceu o autoritarismo do regime.

Entre os contemplados está a ex-líder civil Aung San Suu Kyi, 78, vencedora do Nobel da Paz e símbolo da luta da sociedade mianmarense por democracia. O regime anulou cinco dos 19 crimes pelos quais ela foi condenada, reduzindo sua pena de 33 para 27 anos.

A ex-primeira-ministra de Mianmar, Aung San Suu Kyi - Ye Aung Thu - 29.ago.18/AFP

A anistia por ocasião da quaresma budista, uma prática frequente no país para celebrar as festas religiosas, beneficia mais de 7.000 presos no país asiático, segundo a imprensa local. No caso de Suu, deposta e presa no golpe militar de fevereiro de 2021, ela terá de continuar detida em regime fechado.

Analistas ponderam que o perdão parcial concedido à ativista é uma medida simbólica que anula apenas condenações menores. Uma delas está relacionada à violação de uma lei de mitigação de desastres por quebrar as regras de isolamento impostas na pandemia de coronavírus durante a campanha eleitoral.

Após o golpe, Suu Kyi foi julgada por mais de uma dúzia de crimes —acusações que alguns dizem ter como objetivo garantir que ela nunca mais retome a atividade política. A comunidade internacional encara os julgamentos como uma farsa, embora o regime insista que ela foi submetida a um processo justo.

A ativista nega todas as acusações pelas quais foi condenada, desde incitação à violência até corrupção, e apela contra elas. Na semana passada, a ex-líder foi transferida da prisão para um edifício do governo, segundo um integrante de seu partido político, o Liga Nacional pela Democracia (NLD).

O estado de saúde de Suu Kyi é motivo de preocupação desde sua detenção. Especialistas alertam para as condições de estresses físicos e psicológicos pelas quais ela foi submetida durante os julgamentos em um tribunal da junta militar, que a obrigou a comparecer a audiências quase diárias.

O chanceler da Tailândia, Don Pramudwinai, disse no mês passado que havia conversado com Suu Kyi em uma reunião privada. Ele foi a primeira autoridade estrangeira a se reunir com a ex-líder desde a detenção. O tailandês disse que ela estava bem e manifestou apoio ao diálogo para resolver a crise no país.

Win Myint, ex-presidente de Mianmar, também foi contemplado por um indulto parcial. Assim como Suu Kyi, ele foi preso depois do golpe e permanecerá sob regime fechado. A imprensa estatal informou ainda que 125 prisioneiros estrangeiros serão perdoados e liberados. Alguns detentos que haviam sido condenados à morte tiveram suas penas convertidas em prisão perpétua.

O Governo de Unidade Nacional de Mianmar, formado no exílio por um grupo de legisladores eleitos destituídos no golpe de Estado, disse que os indultos parciais mostram que a junta militar está sentindo as pressões internacionais diante das violações de direitos humanos. "[Os indultos] são apenas um truque político destinado a aliviar a pressão", disse o porta-voz, Kyaw Zaw.

O Exército de Mianmar assumiu o poder do país em 2021, por meio de um golpe de Estado. Desde então, ofensivas contra minorias étnicas e confrontos com opositores têm sido frequentes, em atos de repressão que incluem ataques aéreos e uso de armas pesadas mesmo em áreas habitadas por civis. A ONU estima que ao menos 1,2 milhão de pessoas tenham sido desalojadas pelos enfrentamentos depois do golpe.

Desde então, a junta à frente da ditadura prometeu realizar eleições, mas vem atrasando o prazo de um ano inicialmente estabelecido e usando a violenta guerra civil que ocorre no país como pretexto. Ao adiar mais uma vez o pleito, o líder da junta que lidera o país, o general Min Aung Hlaing, disse nesta segunda-feira que "arranjos de segurança" ainda são necessários.

Também nesta segunda, o alto comissário de direitos humanos da ONU, o austríaco Volker Türk, disse que, desde o golpe, mais de 40 trabalhadores humanitários foram mortos pelos militares no país e quase 200 foram detidos. Segundo as Nações Unidas, 15,2 milhões de pessoas precisam de ajuda alimentar e nutricional urgente no país de 54 milhões de pessoas. Mas a ditadura, segundo ele, se nega a fornecê-la.

Para além das mortes de trabalhadores humanitários, Türk afirmou que a ONU calcula que ao menos 3.747 pessoas morreram em ações dos militares desde fevereiro de 2021 e outras 23,7 mil foram detidas pelo regime. Um outro relatório, este do Instituto de Pesquisa da Paz de Oslo, traz cifra maior e afirma que 6.000 civis morreram nos 20 meses que se seguiram ao golpe.

Apesar do isolamento, a ditadura tem tido certo apoio internacional. O Conselho de Segurança da ONU segue dividido sobre como lidar com a crise do país, com China e Rússia se opondo a uma intervenção.

Com AFP e Reuters

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