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Kremlin espera testes para confirmar morte de líder do Grupo Wagner

Porta-voz nega que Putin tenha matado Prigojin; ditador diz que alertou mercenário sobre riscos

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São Paulo

O Kremlin manteve acesa a chama da pira de teorias conspiratórias em torno da morte anunciada do líder do grupo mercenário Wagner, Ievguêni Prigojin, ao dizer que a confirmação oficial do destino do antigo aliado de Vladimir Putin só será feita após a realização de exames genéticos.

O porta-voz Dmitri Peskov também rebateu nesta sexta (25) a acusação de que Putin mandou matar o ex-colaborador, que liderou um motim contra a cúpula militar e constrangeu o russo há dois meses.

"Há muita especulação em torno deste acidente de avião e das trágicas mortes dos passageiros, incluindo Ievguêni Prigojin. É claro que, no Ocidente, tudo isso é apresentado por um ângulo conhecido", afirmou.

Foto de Prigojin em memorial improvisado em homenagem ao líder mercenário, em Moscou
Foto de Prigojin em memorial improvisado em homenagem ao líder mercenário, em Moscou - Maxim Chemetov/Reuters

O líder russo fez na quinta (24) um pronunciamento citando a morte, durante o qual ofereceu condolências e disse que Prigojin havia "cometido sérios erros". Agora, Peskov foi questionado se havia enfim uma confirmação oficial da morte. "O presidente disse que todos os testes necessários, incluindo genéticos, serão feitos. Os resultados oficiais serão publicados assim que estiverem prontos para serem publicados."

Trata-se de uma obviedade na prática, mas se encaixa na opacidade que acompanhou a vida de Prigojin, um ex-presidiário e vendedor de cachorro-quente que ascendeu na Rússia pós-comunista e virou um protegido do presidente encarregado de ações mercenárias, só para cair em desgraça.

Em 2019, Prigojin foi dado como morto depois de um avião em que supostamente estava cair na República Democrática do Congo, um dos vários países africanos em que prestava serviços com seu grupo. Ele reapareceu três dias depois, no melhor estilo Jesus Cristo.

A queda do jato executivo Embraer Legacy 600 pertencente a Prigojin na quarta-feira (23), num curto voo entre Moscou e São Petersburgo, parece contudo ser mais tangível em termos de resultado. Além de o nome do mercenário estar na lista de passageiros, seu telefone celular foi encontrado em meio aos destroços, de acordo com o Greyzone, canal afiliado ao Wagner no aplicativo de mensagens Telegram.

Além disso, o canal e outros meios próximos do líder confirmaram seu desaparecimento. Aqui, porém, entra a teoria conspiratória mais interessante na praça: a de que Prigojin simulou sua morte para não acabar morto —seja por Putin, pela Ucrânia, pela cúpula militar russa ou por algum cliente insatisfeito.

Há um elemento-chave para a teoria: um segundo jato da Embraer, também atribuído ao Wagner, estava na mesma rota quando o incidente ocorreu sobre a região de Tver, a 160 km de Moscou. Segundo dados imprecisos de sistemas de monitoramento de voo na internet, ele deu meia-volta e não mais foi visto. O CEO da Jettica, empresa russa operadora do jato, afirmou à Reuters nesta quinta que nem a aeronave nem seus passageiros estão relacionadas ao Grupo Wagner —mas não disse a quem então o jato pertence.

O mistério do segundo jato pode nunca ser confirmado. Sabe-se que Prigojin fazia alguns membros do Wagner adotarem seu nome e sobrenome para disfarçar, em documentos, suas movimentações.

Quando a polícia russa invadiu seu palacete em São Petersburgo depois do motim encerrado em 24 de junho, expôs à TV uma série de fotografias dele em disfarces bastante cômicos, como um registro do líder mercenário se passando por oficial líbio, com uma vasta barba. A questão é que, mesmo que o Kremlin apresente exames definitivos de DNA, a secular tradição russa de desconfiar da versão oficial dos fatos deverá prosperar, não menos porque um mistério é sempre mais atraente do que a realidade.

Por isso, a batalha de Peskov contra a acusação de que Putin se livrou do incômodo ex-aliado, se sincera, é infrutífera. Nesta sexta, ele lembrou que não é a primeira vez que tem de defender o chefe desse tipo de alegação —há uma longa lista de desafetos do russo que morreram em circunstâncias nebulosas.

"Tudo isso é uma mentira absoluta, e quando você está cobrindo isso, é necessário se basear em fatos. Não há muitos fatos ainda. Eles precisam ser estabelecidos no curso das ações investigativas", afirmou. Além de Prigojin, foram dados como mortos seu número 2 no Wagner, Dmitri Utkin, e mais oito pessoas.

Ditador diz ter alertado Prigojin

Falando pela primeira vez sobre o caso, o ditador belarusso, Aleksandr Lukachenko, afirmou nesta sexta que havia alertado Prigojin e Utkin sobre os riscos às suas vidas. O líder havia mediado o fim do motim de junho, e boa parte dos soldados do Wagner estão em seu país agora.

Após a revolta, o ditador afirmou ter dito aos dois: "Rapazes, fiquem espertos". A agência Belta, que reproduziu a fala de Lukachenko, não especificou quando isso ocorreu. Ele também disse, a exemplo do presidente ucraniano Volodimir Zelenski e de Putin, não ter nada a ver com o episódio.

"Eu conheço o Putin. Ele está calculando, muito calmamente, até tardiamente. Eu não posso imaginar que Putin tenha feito isso [ordenado a morte de Prigojin], que ele seja culpado. Foi um serviço muito grosseiro e não profissional", afirmou, desassombrado.

Lukachenko deu uma dica sobre o futuro do grupo mercenário. "Wagner viveu, está vivendo e vai viver na Belarus. Seu núcleo segue aqui. Enquanto precisarmos dessa unidade, ela ficará aqui e trabalhará conosco", afirmou.

A presença de um número incerto de soldados no país alarma vizinhos pertencentes à Otan, como a Polônia e a Lituânia, que fechou parte de suas fronteiras com Belarus. Nesta sexta, a Finlândia prendeu um russo acusado de ser integrante do grupo, mas não está claro desde quando ele estava no país.

Apuração pode envolver Embraer

A apuração da queda poderia envolver a Embraer, que de todo modo não prestava serviço à aeronave desde que ela entrou numa lista de sanções americanas em 2019. Só que a Rússia ainda não fez uma comunicação, que deveria ser de praxe, ao governo brasileiro pedindo a assistência.

O Legacy 600 é um avião muito seguro, e este foi o primeiro incidente com mortos a bordo de um desses modelos em mais de 20 anos de uso e quase 300 unidades fabricadas. Antes, um jato comprado por americanos abalroou no ar um Boeing-737 da Gol em 2006, causando a queda do avião comercial e a morte de 154 passageiros —o Legacy conseguiu pousar.

O padrão de voo registrado no site Flightradar24 mostrou que o avião passou por instabilidade por 32 segundos e caiu verticalmente. Um vídeo mostrou esses momentos finais, com o aparelho aparentemente tendo uma de suas asas ainda parcialmente intacta, o que o fez girar antes do mergulho final.

O Pentágono afirmou que, ao contrário do que disseram canais pró-Wagner, não há evidência de emprego de mísseis antiaéreos no episódio. O porta-voz militar não detalhou, mas os EUA podem dizer isso porque monitoram lançamentos de mísseis na Rússia, principalmente naquela região próxima das fronteiras com os Estados Bálticos e a Finlândia, integrantes da aliança militar Otan. Pelos parâmetros disponíveis, tudo sugere uma explosão a bordo ou algum outro evento catastrófico.

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