Brasil distribui milhares de livros pelo mundo como ato diplomático

Parceria entre Biblioteca Nacional e Marinha enviou 6.500 obras a dez países; em outubro, carregamento vai à Antártida

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Rio de Janeiro

A Fundação Biblioteca Nacional e a Marinha firmaram um acordo para ampliar a distribuição de livros brasileiros pelo mundo. O gesto faz parte de um ato diplomático e dissemina, segundo as entidades envolvidas, uma cultura de paz, associada à posição do Brasil nas relações exteriores.

Cerca de 6.500 livros foram enviados para dez países, entre eles Estados Unidos, Alemanha e Cabo Verde. As obras vão para instituições cadastradas na biblioteca, como universidades, centros de estudo e embaixadas. Em troca, o Brasil recebe títulos disponíveis nos acervos internacionais.

A Marinha também vai enviar, em outubro, 700 livros à Estação Comandante Ferraz, base brasileira na Antártida. De acordo com Marco Lucchesi, presidente da fundação, a inspiração partiu de um projeto similar na Biblioteca Nacional da Argentina, que mandou obras para o continente antártico.

Imagem mostra homens carregando caixas para dentro do navio escola. É possível ver um banner azul com o dizer "NE Brasil"
Fuzileiros carregam caixas de livros da Biblioteca Nacional para Navio Escola da Marinha, no porto do Rio de Janeiro - Marinha do Brasil

As remessas, tanto para os países quanto para a base militar, incluem exemplares de ficção e não ficção, como "Cemitério dos Vivos: Memórias", de Lima Barreto (Edições Biblioteca Nacional), e "Ensaios Insólitos", de Darcy Ribeiro (Fundação Biblioteca Nacional). Todas são produzidas pela fundação.

Lucchesi diz que o envio, além de cumprir a diplomacia dos livros, leva a memória do país para o mundo. "É uma geopolítica não de conquistar pedaços de terra, mas de conquistar almas para o diálogo e colocar o país nessa altura de soft power, algo que temos de melhor."

A distribuição para o exterior faz parte do Serviço Nacional de Intercâmbio Bibliográfico, instituído pelo governo federal em 2003, que prevê a troca de livros entre Brasil e outras nações. Pelo serviço, são enviados um exemplar de cada obra feito pela Biblioteca Nacional.

Suely Dias, diretora-executiva da fundação, diz que é feita uma seleção mais específica para a Antártida, já que títulos sobre técnicas bibliotecárias, como tratamento de acervo, não condizem com o público da estação, de militares e pesquisadores de ciências. Por isso, romances e poesia, incluindo autores como João do Rio e Aluísio Azevedo, são a prioridade.

É uma geopolítica não de conquistar pedaços de terra, mas de conquistar almas para o diálogo e colocar o país nessa altura de soft power, algo que temos de melhor

Marco Lucchesi

Presidente da Fundação Biblioteca Nacional

Entre os enviados, há obras sobre história e geografia brasileiras, incluindo "Mata Atlântica: As Árvores e A Paisagem", de Paulo Backes e Bruno Irlang, e biografias de autores como Carolina Maria de Jesus. Além disso, há livros sobre a África e suas relações com o Brasil, como "O Africano que Existe em Nós, Brasileiros", de Julia Vidal. A lista inclui ainda catálogos de exposições da biblioteca, para mostrar o acervo histórico e documental da instituição.

O capitão de fragata Fábio Santos é o chefe da estação brasileira na Antártida desde novembro do ano passado. Ele diz que, na maior parte do tempo, a base é ocupada apenas por 17 militares, já que os pesquisadores chegam ao local no início do verão e voltam ao Brasil em março.

Por vezes, os fuzileiros precisam permanecer dentro da estação, devido às condições climáticas extremas. Os livros são uma forma de se aquecer em meio a temperaturas que chegam a -40°C, segundo o capitão.

"São uma companhia, além de um estímulo mental para nos aliviar do isolamento. Ficamos de março a outubro entrando em contato com familiares apenas pela internet, então os livros são uma forma de diminuir o estresse", afirma Santos. A mais recente obra lida foi "Não Há Tempo a Perder", de Amyr Klink, primeira pessoa a navegar o Atlântico Sul a remo.

A imagem mostra um computador sobre a mesa. Pela tela, é possível ver o capitão. Ele usa um boné escrito "Marinha do Brasil" e está em meio a neve
O capitão Fábio Santos na Estação Comandante Ferraz, na Antártida; a base brasileira no continente vai receber 700 livros da Biblioteca Nacional - Gabriel Cabral/Folhapress

A estação na Antártida já contava com uma biblioteca própria, que será complementada com o novo acervo. A equipe da Marinha organizou o espaço para receber os livros.

No projeto de diplomacia, a Biblioteca Nacional também compartilha experiências com outros países, sobretudo, de acordo com Marco Lucchesi, os do Sul Global, como são apelidadas as nações consideradas em desenvolvimento. Em agosto, por exemplo, ocorreu o primeiro encontro oficial da fundação com bibliotecas dos países africanos de língua portuguesa.

Os participantes firmaram um acordo para estreitar relações, que incluiu o envio pela Marinha dos livros brasileiros a Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Além disso, a Biblioteca Nacional vai oferecer aos países africanos um curso de restauração de obras.

"Todas as bibliotecas nacionais vivem os seus desafios, como de espaço e investimentos. Temos um universo que não para de crescer. Apesar dos problemas, as bibliotecas de África e Brasil têm a criatividade diante da escassez de meios", diz o presidente.

A parceria com a Marinha surge para ampliar o alcance do Serviço de Intercâmbio Bibliográfico. Lucchesi fez um acordo de cooperação com a Força para distribuir obras pelo país e no exterior durante sua gestão na Academia Brasileira de Letras, de 2018 a 2021. Após assumir a presidência da fundação neste ano, levou a parceria à biblioteca.

Pelo acordo, a Marinha compartilha com a Biblioteca Nacional uma previsão anual de trajetos pelo mundo. A partir dessas informações, a instituição contata as entidades cadastradas em cada país onde os navios vão aportar para que elas se preparam para receber as obras.

Os navios-escola distribuíram as obras pelas Américas e pela Europa. Outra fragata, em uma missão diferente, enviou os livros para países da África.

"O acordo com a Marinha nos traz uma segurança nessas remessas e estabelece também um roteiro, em que podemos trabalhar com um cronograma de envio", diz Suely Dias, diretora-executiva da fundação. Até agora, 124 instituições pelo mundo foram contempladas, todas recebendo o mesmo número de títulos.

Para Marco Lucchesi, a parceria fortalece as duas instituições, que são bicentenárias. "É uma forma de considerar que somos instituições de Estado, não de governo. E é o momento de abrirmos o diálogo com sinceridade e sentimento de serviço à cidadania."

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