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Principal opositor de Putin, Alexei Navalni morre na cadeia

Blogueiro e ativista anticorrupção, que mobilizou milhares na Rússia, cumpria 30 anos de prisão

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São Paulo

O líder opositor russo Alexei Navalni, 47, está morto. O mais conhecido crítico do governo de Vladimir Putin estava preso em uma cadeia na remota região de Iamalo-Nenets, no Ártico, e cumpria 30 anos de pena por condenações diversas.

A morte foi anunciada pelo Serviço Federal Prisional da Rússia nesta sexta (16), e até agora as causas não foram reveladas. Em nota, o órgão disse que Navalni "se sentiu mal após uma caminhada, perdendo quase imediatamente a consciência".

Navalni participa de audiência numa corte de Moscou por vídeo da cadeia em que estava perto da capital, em 2022
Navalni participa de audiência numa corte de Moscou por vídeo da cadeia em que estava perto da capital, em 2022 - Alexander Nemenov - 24.mai.2022/AFP

"A equipe médica da instituição chegou imediatamente, e uma ambulância foi chamada. Todas as medidas de ressuscitação foram tomadas, sem resultado positivo. A causa da morte está sendo estabelecida", completa o texto.

A cadeia, conhecida como Lobo Polar devido às suas condições duríssimas, fica numa região a 1.900 km de Moscou que registrou até -24°C nesta sexta. A rede estatal russa RT disse ter informações de que uma trombose teria matado o opositor, mas ninguém confirmou a versão.

O anúncio gerou uma onda de indignação. O jornalista independente russo Dmitri Muratov, que ganhou o prêmio Nobel da Paz em 2021, disse que Navalni foi "assassinado". Ele atribuiu a morte às condições de sua prisão. Uma série de líderes ocidentais reagiram à notícia apontando Putin como o culpado, o que o Kremlin considerou "inaceitável".

Em Munique, onde encontrou-se com o secretário de Estado americano, Antony Blinken, a viúva Iulia disse que "não sabia se devia acreditar nas notícias" e que "Putin é responsável por tudo o que ocorre na Rússia". Mais tarde, na Conferência de Munique, disse que Putin mente constantemente e precisa ser punido pela Justiça.

"Eu não quero ouvir nenhuma condolência. Nós o vimos na cadeia no dia 12. Ele estava vivo, saudável e feliz", escreveu no Facebook Ludmila, a mãe do ativista.

Na véspera, Navalni havia participado de uma audiência por vídeo na qual seria analisada a punição por ele ter brigado com um guarda que lhe havia tomado uma caneta. Nas imagens divulgadas pelo site Sota, ele parecia bem-humorado e fez piadas com o juiz.

"Excelência, eu vou lhe mandar meu número pessoal de conta bancária para que o senhor use seu enorme salário para aquecê-la, porque estou ficando sem dinheiro" disse. Mais tarde, seu advogado postou na conta de Navalni no X que ele recebeu 15 dias de confinamento solitário.

Ao longo de sua detenção, o ativista fez greves de fome e teve uma deterioração acentuada de suas condições de saúde, o que seus advogados creditavam aos períodos de isolamento em solitárias, má nutrição e tortura psicológica. O próprio Navalni, em uma mensagem recente, dizia que era acordado por músicas nacionalistas pró-Putin.

O Kremlin disse que o presidente foi notificado da morte, mas a assessora de Navalni, Kira Iarmich, afirmou no X que nem a família nem os colegas do ativista foram informados de nada.

O opositor considerava suas condenações meros artifícios de perseguição política, e no fim do ano passado seu sumiço da colônia penal onde estava preso perto de Moscou causou apreensão. Ele havia sido removido para uma unidade ainda mais brutal do sistema penal russo devido ao aumento de seu tempo de cadeia, em agosto passado.

Naquele julgamento, ele pegou mais 19 anos de prisão, elevando sua pena total a 30 anos e meio. O ativista disse que era vítima de uma armação stalinista, em referência aos julgamentos farsescos dos tempos do ditador soviético Josef Stálin (1878-1953).

Isso ocorreu porque ele foi designado um extremista, algo grave na lei russa, sob acusação de fomentar práticas do gênero em seu Fundo Anticorrupção, entidade que denunciava malversações de funcionários do governo de Putin.

Ele já estava preso desde 2021, quando voltou da Alemanha após tratar os efeitos de um envenenamento sofrido na Sibéria em 2020, quando participava de uma campanha eleitoral local. Ele acusou Putin diretamente pela ação e consolidou sua posição como mais conhecido opositor do líder russo, no poder desde 1999. O líder russo, na ocasião, desdenhou da acusação dizendo que se o Estado quisesse matar Navalni, ele já estaria morto.

Desde sua prisão, que gerou uma onda grande de protestos reprimida pela polícia, Navalni cristalizou no exterior sua imagem de grande opositor russo. Dentro da Rússia, após uma surpreendente boa votação (27% dos votos) na campanha para prefeito de Moscou em 2013 que lhe deu o segundo lugar, nunca teve a mesma projeção eleitoral —pesquisas eleitorais lhe davam usualmente menos de 5% de intenções de voto.

Ainda assim, por meio de uma engenhosa rede de ativismo online, incomodava o Kremlin. Em 2017, organizou protestos com milhares de pessoas em diversas cidades russas que eram convocados pela internet e se dissolviam logo que a repressão começava. Na Rússia, qualquer ato com mais de uma pessoa precisa de autorização para ocorrer —e a Procuradoria de Moscou já emitiu um alerta contra manifestações em memória de Navalni.

Em 2018, ele tentou concorrer à Presidência, mas foi barrado devido à primeira condenação que havia sofrido, acusado de malversação de recursos num obscuro caso paroquial. Essa sentença foi suspensa, só para ser retomada em 2021, quando ele desembarcou em Moscou após o tratamento pelo envenenamento.

Virou ícone no exterior, com um documentário hagiográfico acerca de sua vida se tornando vencedor do Oscar no ano passado. Foi designado "prisioneiro de consciência" pela Anistia Internacional, que retirou temporariamente o rótulo quando emergiram vídeos xenofóbicos de Navalni, mas voltou atrás.

Com a Guerra da Ucrânia, o aumento da repressão ao dissenso na Rússia levou ao estrangulamento de sua rede de apoiadores —muitos, como Iarmich, foram para o exílio.

A morte de Navalni será colocada pelos opositores de Putin na mesma galeria de incidentes com pessoas que desafiaram o poder do Kremlin sob o comando do presidente. Houve assassinatos nebulosos, como o da jornalista Anna Politkovskaia em 2006 e do político Boris Nemtsov, em 2015, prisões e exílios.

O Kremlin nega relação com os casos, que segundo alguns observadores podem não ter sido ordenados por Putin, mas executados por pessoas ligadas ao esquema de poder vigente. Seja como for, a morte de Navalni ainda carrega o simbolismo de ocorrer um mês antes da eleição que irá reconduzir Putin a mais um mandato de seis anos à frente da Rússia.

Navalni nasceu em 4 de junho de 1976 em Butin, uma vila na região de Moscou. Formou-se em direito e finanças, e estudou por um período nos EUA. Era casado com a economista Iulia Navalnaia, a quem atribuía sua carreira. Tinham um casal de filhos, Dasha e Zakhar, e foi à mulher que o ativista dedicou uma de seus últimas postagens no X, publicada por meio de advogados na quarta (14), Dia dos Namorados na maioria dos países.

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