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Alvo de investigação da Procuradoria, jornalista peruano denuncia perseguição do fujimorismo

Gustavo Gorriti, cujas reportagens ajudaram a derrubar ex-presidentes por corrupção, é acusado de interferir em Lava Jato local e direcionar promotores

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Buenos Aires

Conhecido por suas pioneiras reportagens sobre o grupo guerrilheiro Sendero Luminoso e sobre a corrupção no Peru, que levaram alguns dos ex-presidentes do país à prisão, o jornalista Gustavo Gorriti, 76, tornou-se alvo de uma investigação da Procuradoria nacional, em um movimento visto como orquestrado por políticos ligados ao ex-ditador Alberto Fujimori, 85, que governou de 1990 a 2000.

A acusação é de que Gorriti teria interferido e direcionado as investigações da Equipe Especial Lava Jato no Peru em troca de informações privilegiadas para publicar em seu site, o IDL-Reporteros. A apuração se estende também a dois promotores que fizeram parte da força-tarefa, Rafael Vela e José Domingo Pérez.

O jornalista Gustavo Gorriti no 6º Colóquio Iberoamericano sobre Jornalismo Digital - Gabriel Perez - 21.abr.13/Centro Knight para o Jornalismo nas Américas na Universidade do Texas

Para o jornalista, a nova ameaça a seu trabalho provém também do fujimorismo, agora liderado pela filha de Alberto, Keiko, e de grupos políticos vinculados a ele, como o Renovação Popular, comandado pelo atual prefeito de Lima e ex-candidato a presidente Rafael López Aliaga, de ultradireita; ele também aponta para Vladimir Cerrón, padrinho político do ex-presidente esquerdista Pedro Castillo e líder do Peru Livre, que rachou e agora vota junto com a direita no Parlamento.

"Começou com uma campanha violenta de difamação contra mim e contra a equipe que trabalha comigo, por parte desses políticos e seus partidos, que foram denunciados por nosso trabalho", afirma Gorriti à Folha. Essa campanha, segundo ele, ocorre principalmente por meio de tabloides sensacionalistas, pois muitos deles são de propriedade de políticos, alguns do atual Congresso, e também nas redes sociais.

A pressão foi tanta que a Procuradoria decidiu abrir uma investigação contra Gorriti. Na última década, ele dedicou-se a investigar os vínculos entre os acusados na Operação Lava Jato no Brasil com políticos peruanos.

Na lista dos que foram alvo de denúncias por parte do IDL-Reporteros estão a própria Keiko, ex-candidata a presidente, e os ex-líderes Alejandro Toledo, Pedro Pablo Kuczynski e Alan García —este acabou se suicidando antes de ser preso, em 2019. Eles teriam recebido propina da Odebrecht em campanhas eleitorais em troca de permitir que a empreiteira brasileira ganhasse as licitações de obras públicas.

A Procuradoria agora pede o fim do segredo das comunicações de Gorriti nos últimos dez anos. A defesa dele afirma que isso significa um atentado à liberdade de expressão e ao resguardo das fontes, ambos garantidos pela Constituição. Devido a ataques e ameaças anteriores, o jornalista recebeu da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), no ano passado, amparo de medida cautelar, na qual o órgão requisitou ao Estado peruano proteção a seu trabalho e a sua integridade física.

Gorriti compara as atuais ofensivas com o que ocorreu na Guatemala. O país centro-americano havia permitido a formação da Cicig (Comissão Internacional Contra a Impunidade na Guatemala), integrada por promotores locais e conselheiros internacionais, indicados pelas Nações Unidas. Em 2015, uma das investigações da Cicig levou à prisão o então presidente Otto Pérez Molina, que acabou renunciando antes de ter seu impeachment aprovado pelo Congresso. Hoje, Pérez Molina está preso.

Os governos que o sucederam, de Jimmy Morales e Alejandro Giammattei, diluíram a entidade, pois também carregam denúncias de corrupção. Na gestão deste último, que terminou em janeiro, foi preso e condenado o jornalista José Rubén Zamora, diretor do El Periódico, que também se dedicava a investigações de corrupção.

"É exatamente o que querem fazer comigo", diz Gorriti. "Dizem que vão exigir que eu dê a senha do meu celular e querem ver todas as minhas mensagens. Obviamente vou dizer que não, pois a lei está do meu lado". Ele descreve o atual Congresso peruano como corrupto e tomado pela direita e ultradireita. "Eles têm a presidente encurralada, morta de medo".

Dina Boluarte, que substituiu Pedro Castillo em 2022, também está sob investigação da Procuradoria, acusada de enriquecimento ilícito. A polícia realizou uma busca em sua casa e afirma ter encontrado evidências de crime, como a existência de três relógios Rolex —o 'Rolexgate' já levou à renúncia de seis ministros de seu gabinete.

"Aqueles que a sustentam hoje são essa aliança de direita e ultradireita no Congresso, e eles o fazem porque não querem eleições novas [o próximo pleito presidencial está previsto para 2026]. Mas é preciso lembrar que se trata de um Parlamento que tem mais de 90% de rejeição popular", afirma Gorriti.

Autor de "Sendero: Historia de la Guerra Milenaria en el Perú", o jornalista foi sequestrado em 1992, quando trabalhava para a revista "Caretas", uma das mais importantes do país. O motivo: havia publicado uma denúncia de que Vladimiro Montesinos, então chefe do serviço de inteligência e homem-forte de Fujimori, estaria vinculado ao narcotráfico.

Em 2021, Montesinos foi condenado a 17 anos por esse crime, mas a sentença foi considerada cumprida porque o fujimorista já estava preso desde 2001, sentenciado em outros processos. Já Fujimori, que em 2009 recebeu pena de 25 anos por corrupção e por ordenar massacres que deixaram 25 mortos, foi libertado em dezembro do ano passado, por razões humanitárias.

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