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Marco Vinicio Petrelluzzi

Torcida única: é hora de repensar

Impedir a convivência só favorece a intolerância

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Com o começo do Campeonato Paulista 2020, é a hora para encorajar o debate sobre a política de torcida única nos estádios. Essa postura, sustentada pelo Ministério Público, tem apoio da Polícia Militar e das autoridades de segurança pública.

Se é verdade que a existência de apenas uma torcida no estádio de futebol acaba por, de imediato, reduzir ocorrências, não é menos verdade que essa decisão, ao impedir a convivência entre torcedores de agremiações diferentes, cultiva e favorece a intolerância.

O advogado Marco Vinicio Petrelluzzi, ex-secretário da Segurança Pública de São Paulo - Bruno Poletti - 15.set.14/Folhapress

Sou antigo frequentador de estádios, ainda da época em que as torcidas eram misturadas e quase não havia confrontos. Havia tolerância e respeito pelo torcedor adversário.

Essa condição, até pouco tempo atrás, ainda existia nos setores mais elitizados dos estádios. Como frequentador dos jogos do meu time, observava que, nas numeradas e camarotes, havia convivência respeitosa entre torcedores adversários.

Sucede que, após a implantação da política de torcida única, isso começou a mudar. Tenho assistido cenas em que, mesmo pessoas de elevado estrato cultural, ao perceber a presença de torcedores adversários, exigem a sua retirada do estádio, bradando: “Aqui é torcida única!”, expressão seguida de palavrões e ameaças.

Esse é um sintoma do equívoco em que se constitui a política da torcida única. Passa-se ao torcedor a sensação de que se demarcou um território, e a presença do adversário é vista como um ato de invasão.

Não desconheço que defensores da tese da torcida única entendem que contribuem para um menor número de confrontos entre torcedores, do que ouso discordar. A presença de torcedores de outros clubes nos estádios e a criação de um setor de torcida mista seriam medidas civilizatórias que, com o tempo, favoreceriam o incremento da tolerância. A convivência é mágica, sendo capaz de suprimir preconceitos e ódios, e é dever das autoridades incentivá-la.

Dirão os imediatistas que a diminuição de confrontos após a implantação dessa política justifica sua adoção. Mas essa parece a mesma discussão sobre os limites de velocidade. Diminuindo-se a velocidade de 70 km/h para 50 km/h, menos acidentes acontecem. Parece óbvio, não? Mas por qual razão não reduzimos a velocidade para 30 km/h, 15 km/h ou 5 km/h? Certamente os acidentes diminuiriam mais. E, afinal, por que não paramos todos os carros?

Creio que, na questão do futebol, caímos nessa armadilha e acabamos parando todos os carros.
A adoção da torcida única tem efeitos deletérios e fomenta a intolerância entre os torcedores. É preciso, pois, discutir o tema com espírito aberto, com a participação de todos os envolvidos na questão.

Não se deve esquecer que estamos na era da informação e da inteligência artificial, havendo meios de monitorar torcedores e, mesmo com as leis vigentes, impor medidas no âmbito administrativo e criminal para conter os violentos. 

Certamente isso será mais difícil, árduo e trabalhoso, mas será melhor para o futuro e, numa perspectiva civilizatória, é o correto a fazer.

Marco Vinicio Petrelluzzi

Advogado, ex-procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo e ex-secretário da Segurança Pública (governos Mário Covas-Geraldo Alckmin)

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