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Daniel Martins-de-Souza

Como a ciência pode ajudar a vencer o vírus

Resultados de pesquisas brasileiras devem aparecer em breve

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No grupo de WhatsApp da família, uma tia pergunta: "E a cura para a Covid-19, vai demorar?”. E a outra: “E quanto tempo leva essa vacina?”. E um tio, em seguida: “Meu sobrinho, você precisa deixar sua pesquisa um pouco de lado e se engajar em resolver este problema para nós!”.

Tais colocações têm sido comuns por familiares e amigos de cientistas, porque as pessoas confiam que a ciência pode ajudar na crise atual. Em geral, se percebe que a ciência contribui muito para nossa qualidade de vida. Comida em nossos pratos, suco de laranja, semáforo inteligente, carros que estacionam sozinhos, GPS, alta definição que temos na TV de casa, smartphones, cerveja, remédios, vacinas... Tudo isso tem muita ciência por trás. No momento atual, poucos minutos de noticiário são necessários para entendermos que muito se espera da ciência.

Pesquisadora de Cingapura trabalha em laboratório que está desenvolvendo uma maneira de rastrear alterações genéticas que aceleram os testes de vacinas contra a Covid-19 - Joseph Campbell - 24.mar.20/Reuters

A ciência afeta nossas vidas pelo menos em três dimensões: social, econômica e intelectual. A ciência pode melhorar nossa vida em sociedade, nos torna mais produtivos, mais competitivos e mais ricos —e, por fim, nos torna seres mais conhecedores da forma de funcionar do universo e da sociedade. Ao longo de séculos, cientistas criaram um acervo de conhecimentos que constituem um ponto de partida para, em momentos como este, tirar ideias para criar outras ideias que nos ajudem a superar os desafios da Covid-19.

O Ministério da Saúde tem dado um bom exemplo de aderência aos princípios científicos no combate à Covid-19. O Brasil formou, ao longo de décadas de esforço com investimento público, centenas de pesquisadores na área de saúde que sabem usar os métodos da ciência em diversos campos para propor soluções num cenário de dificuldade como o atual.

A epidemiologia, que é a ciência responsável pelas ações sociais propostas como o isolamento, nos ajuda a conhecer como uma doença infecciosa se espalha na sociedade. Os resultados anteriores, em outras epidemias, nos ajudam a descobrir como o acompanhamento do número de infectados, tratados, curados e, infelizmente, mortos, pode ajudar a planejar ações para controlar a progressão do número de infectados. Outras áreas da ciência contribuirão com o estudo sobre vacinas ou medicamentos que possam ser usados para evitar ou controlar os efeitos da doença.

Pesquisadores no Brasil têm apresentado propostas que podem nos auxiliar a superar a crise. Cientistas da Unicamp elaboraram um teste para a detecção da Covid-19, que agilizará os testes diagnósticos na região de Campinas (SP). Quanto mais pessoas forem testadas, melhor será para controlar, mapear e combater as infecções.

É com este princípio que os sul-coreanos e alemães têm passado por esta crise sem precedentes de maneira menos sofrida do que países como Itália e Espanha. A UnB também se adiantou e, em parceria com governo do Distrito Federal, fará até 700 testes por dia. Já a USP realizou o sequenciamento de genomas advindos de dois brasileiros infectados por Covid-19, o que auxiliará na compreensão da infecção.

Outra vertente é o reaproveitamento de medicamentos já existentes para o tratamento da nova doença. Este é um conceito muito atual em pesquisa científica. Tais testes ainda precisam ser validados no Brasil, o que já está em andamento no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) em Campinas.

As universidades estaduais paulistas —USP, Unicamp e Unesp— montaram forças-tarefa com dezenas de cientistas que buscam revelar os mecanismos biológicos usados pelo vírus para invadir as células das pessoas infectadas.

Os resultados dessas investigações, que devem aparecer muito em breve, poderão servir, entre muitas coisas, para reposicionar, com segurança, medicamentos já existentes, trazer informações para o desenvolvimento de novas drogas e podem, também, ajudar no diagnóstico preciso e precoce, enquanto grupos de pesquisa em todo o planeta, inclusive no Brasil, trabalham na produção de uma vacina para prevenir novas infecções.

Nenhum país é autossuficiente em pesquisa. A colaboração científica poderá acelerar a descoberta das maneiras para enfrentarmos melhor a crise da Covid-19. O Brasil, a partir de esforços e investimentos feitos ao longo de muitas décadas, treinou pesquisadores que poderão contribuir e colaborar para a criação de ideias que ajudem a humanidade a superar o desafio atual.

Essa é uma das importantes razões por que países precisam investir em ciência e tecnologia e na educação de uma comunidade de pesquisadores bem capacitados e conectados ao que de melhor acontece no mundo.

Daniel Martins-de-Souza

Professor de bioquímica e diretor do Laboratório de Neuroproteômica da Unicamp e pesquisador do Instituto D’Or

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