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Claudio Angelo

'Incentivo positivo dos EUA' sobre Amazônia é trunfo para Bolsonaro

31 anos depois, país volta a oferecer ao Brasil dólares por árvores em pé; não vai dar certo

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Claudio Angelo

Coordenador de comunicação do Observatório do Clima e autor de 'A Espiral da Morte – Como a Humanidade Alterou a Máquina do Clima' (Companhia das Letras)

O desmatamento na Amazônia está fora de controle. A sociedade global pressiona por uma solução. O presidente dos Estados Unidos, um ex-vice nas primeiras semanas de seu mandato, tenta enquadrar o Brasil, prometendo dinheiro ao país em troca da proteção da floresta. O presidente brasileiro, nacionalista e cercado de militares, repele a proposta. Mas toma atitudes dentro de casa para tentar conter a devastação e ainda oferece o Brasil como sede de um grande encontro internacional sobre meio ambiente.

Isso tudo aconteceu. O ano foi 1989. O presidente americano era George Bush. O brasileiro, José Sarney. Em fevereiro daquele ano, quando ambos se encontraram no funeral do imperador Hirohito, em Tóquio, o secretário de Estado de Bush, James Baker, levantou a lebre da vinculação entre a dívida externa (à qual Sarney havia decretado moratória dois anos antes) e a preservação da floresta. Sarney explicou, diplomaticamente, que se tratava de dois assuntos a serem discutidos separadamente entre os dois países.

Naquela época o peemedebista já havia adotado um “pacote ecológico”, como era chamado o programa Nossa Natureza. Após uma tempestade de mídia ocasionada pelas queimadas em Rondônia, ele baixou, em outubro de 1988, um decreto determinando que o governo apresentasse em 90 dias medidas para conter a devastação. Foi o embrião do monitoramento do desmatamento do Inpe e da criação do Ibama, que ocorreria dois meses depois do encontro com Bush. O pacote incluía ainda a suspensão da política de incentivos criada pelos militares, que só havia resultado em destruição, corrupção e violência.

O Nossa Natureza era uma resposta improvisada a um problema que se arrastava por quase duas décadas, mas teve o mérito de botar o elefante amazônico na sala dos brasileiros. Sarney foi além: ofereceu o Brasil como sede da conferência ambiental da ONU de 1992. Criou-se uma governança que permitiu depois ao país receber dinheiro do G7 para criar áreas protegidas, demarcar terras indígenas e desenvolver soluções econômicas para manter a floresta em pé.

Trinta e um anos após o entrevero em Tóquio, reemerge nos EUA a ideia de despejar dinheiro no Brasil em troca da proteção da Amazônia. No último dia 29 de janeiro, o New York Times revelou um plano de ex-ministros americanos para pressionar o presidente Joe Biden a se mexer em torno da ideia, ventilada na campanha, de levantar US$ 20 bilhões para combater o desmatamento no Brasil. Segundo o jornal, a proposta inclui pedir a Biden que chame empresários para conseguir dinheiro para financiar a redução de 1 bilhão de toneladas de CO2 por desmate.

Não tem o menor risco de dar certo.

Tal abordagem assume que falta verba para controlar o desmatamento. Falso. O governo está sendo processado no STF por deixar R$ 2,9 bilhões do Fundo Amazônia parados há quase dois anos, por birrinha do ministro do Meio Ambiente. Entre 2005 e 2012, o Brasil cortou mais de 3 bilhões de toneladas de CO2 da atmosfera sem exigir um centavo de fora, apenas executando políticas públicas. É verdade que zerar o desmatamento —o único objetivo aceitável para a Amazônia— demandará investimentos e uma ampla reorganização econômica. Mas retomar o controle do desmate requer apenas vergonha na cara e disposição de combater o crime. Digam-me se Jair Bolsonaro, Ricardo Salles e Hamilton Mourão têm uma ou outra.

O desmatamento na Amazônia chegou a 11mil km2 em 2020 porque este era o projeto do governo. Os criminosos que saqueiam a floresta são a base de apoio do presidente. Os municípios campeões de desatamento elegeram Bolsonaro no primeiro turno. O primeiro ato de Salles foi extinguir a secretaria responsável por controlar o desmatamento. Passamos da metade do mandato (ufa!) e o país ainda não tem um plano de combate à devastação. Os militares foram chamados a socorrer o atropelamento, mas resolveram em vez disso bater a carteira do atropelado: vêm-se dedicando a torrar milhões para implementar seu revanchismo contra ONGs, índios e a ordem constitucional de 1988.

Nesse quadro, pensar em dar dinheiro ao Brasil significa premiar a delinquência. Significa ceder à chantagem de Salles, que em 2019 exigiu US$ 10 bilhões por ano dos países ricos para não botar a Amazônia abaixo (disparate inserido na própria meta de redução de emissões apresentada pelo país à ONU).

Os americanos acabam de voltar ao jogo da diplomacia ambiental após quatro anos e precisam entender como a banda toca por aqui. Se a própria experiência recente dos EUA é algum guia, eles deveriam entender que Jair não mudará de atitude em relação ao clima e à floresta —ao contrário, com aliados no comando do Congresso a tendência é que os ataques recrudesçam. A comunidade internacional precisa trabalhar na contenção do piromaníaco e no apoio a governos locais, empresas sustentáveis, comunidades e sociedade civil para que sobre alguma coisa de pé em 2023. A escolha é simples: Amazônia ou Bolsonaro.

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