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Manifesto sobre a Jureia

Nossa obrigação é aliar o respeito às comunidades tradicionais à preservação ambiental

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O debate sobre as políticas públicas ambientais —fruto de uma história de luta e de engajamento da sociedade civil— exige responsabilidade, transparência e compromisso com os fatos. A visão ultrapassada de “política ambiental forjada em mecanismos reprodutores de violência contra as sociedades tradicionais” não se sustenta no estado de São Paulo.

A Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (Sima) e a Fundação Florestal (FF) não antagonizam a conservação ambiental e as comunidades e povos tradicionais. Pelo contrário, reconhecem o valor cultural e intelectual destes povos. Há relação simbiótica com ganhos substanciais para ambos. A presença destas comunidades ajuda a conter a devastação da natureza e dos recursos ambientais. Já a existência de uma unidade de conservação afasta o uso especulativo, além de garantir a continuidade da ocupação do território ancestral e do modo tradicional de vida.

O caiçara Ilson Prado arrasta seu barco para atravessar o rio da Barra do Una, na Jureia, em São Paulo - Fernanda Seavon - 28.ago.19/Folhapress

Isso, contudo, não afasta a necessidade, conforme reconhecem as ciências ligadas à biodiversidade, da manutenção de áreas naturais protegidas da presença humana para permitir que processos ecológicos e evolutivos ocorram com a menor interferência possível. Isso é vital para que animais silvestres, como a onça-pintada, o muriqui do sul e a jacutinga, possam existir no futuro. Além disso, essas áreas são essenciais para pesquisas científicas, inclusive para avaliar e comparar os impactos das atividades humanas em sistemas naturais menos preservados. O conhecimento adquirido por meio destes estudos é fundamental para a elaboração de estratégias de recuperação ou de manejo sustentável.

Desde 2019 foram adotadas diversas medidas para fortalecer essa relação. Em regiões de alta vulnerabilidade social, como no Vale do Ribeira, a operação de visitação pública foi delegada a oito comunidades quilombolas com o intuito de fomentar o conhecimento, conscientizar os turistas e gerar renda para cerca de 30 famílias. Já no litoral, a aprovação dos Planos de Manejo das APAs Marinhas, instrumento inédito no estado e que estava em debate há mais de dez anos, prestigiou a pesca artesanal. Na ilha do Cardoso, os servidores da Fundação Florestal auxiliaram na reconstrução de comunidades tradicionais afetadas pelo rompimento do cordão arenoso. Como medida para minimizar os impactos da pandemia, a Fundação ampliou o controle de visitação nas áreas onde ficam as comunidades e liberou a implantação de roças nas Unidades de Conservação em caráter emergencial, dentre outras ações.

Com relação à Jureia, a necessidade de garantir áreas para a preservação da natureza e abrigar as comunidades tradicionais criou em 2013, após oito anos de discussão na Alesp, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Barra do Una e Despraiado. Em quatro anos, o governo do estado investiu cerca de R$ 10 milhões em obras nestes locais e instituiu os Conselhos do Mosaico para uma gestão participativa.

O mesmo debate demonstrou também a inviabilidade de criação de uma nova RDS no Rio Verde e Grajaúna, em razão da importância ambiental da área, por se tratar do mais importante e bem preservado gradiente de Mata Atlântica do mundo. O local é considerado por pesquisadores o santuário da biodiversidade, declarado Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera pela Unesco. Longe de representar qualquer discriminação, apenas a presença de qualquer ser humano no espaço já causaria um impacto imensurável às espécies da região.

Em 2019, as equipes de fiscalização flagraram construções irregulares nesta área. Independentemente de a ação ter sido promovida por parentes de moradores das RDSs da região, o que por si só não configura o direito à ocupação na área tendo em vista que há uma série de fatores legais a serem considerados, a obra ocorreu após o indeferimento do pedido administrativo, clandestinamente e à margem da lei, o que motivou as demolições realizadas.

A discussão está na Justiça, e a Fundação Florestal, que vem recebendo manifestações de apoio de mais de uma centena de especialistas e instituições sociais, está respondendo a todos os questionamentos de forma transparente.

No entanto, cabe esclarecer que este caso pontual não pode ser usado para criar a narrativa de uma perseguição ou falta de reconhecimento às comunidades caiçaras, nem menosprezar as diversas medidas que vêm sendo adotadas em favor dos povos tradicionais. O objeto da discussão é muito maior e trata-se dos impactos da ocupação humana nas Unidades de Conservação e Proteção Integral, que representam apenas 4% do território paulista.

Por isso, em compromisso com os fatos e com a transparência, vimos a público reiterar o respeito e apoio às comunidades tradicionais por meio de projetos e ações concretas, conforme demonstrado neste artigo, mas também a preocupação acerca do enorme desafio para a sustentabilidade, que visa garantir a conservação ambiental para as futuras gerações. Por fim, ressaltamos ainda que não há, ao menos por parte da Sima e da FF, intenção de uma disputa entre grupos que conjugam os mesmos ideais, à qual só serviria aos adversários de importantes causas socioambientais.

Marcos Penido
Secretário de Infraestrutura e Meio Ambiente do estado de São Paulo

Eduardo Trani
Subsecretário de Meio Ambiente do estado de São Paulo

Gerd Sparovek
Presidente da Fundação Florestal do estado de São Paulo

Rodrigo Levkovicz
Diretor da Fundação Florestal do estado de São Paulo

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