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Roberto Rangel Marcondes

Empresas devem ter o direito de demitir em massa sem negociação coletiva? NÃO

Legislação trabalhista em vigor não alterou princípio constitucional

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Roberto Rangel Marcondes

Procurador regional do Trabalho, é doutor em direito do trabalho pela USP

A todo momento, em nossas vidas, nos deparamos com algum conflito: em casa, no trabalho, no supermercado ou no trânsito. E como resolvemos esses conflitos? Com o diálogo, ouvindo e sendo ouvido, conhecendo as necessidades e os interesses do outro, para se chegar a uma solução mais justa e adequada.

Nas relações de trabalho, não é diferente. Quando um trabalhador é demitido, por mais traumático que seja o momento da ruptura, empresa e empregado devem conversar. Na demissão coletiva, então, o diálogo é ainda mais importante por envolver um número significativo de trabalhadores, com impactos sociais e econômicos bem maiores para famílias e comunidades locais.

Plenário do STF (Supremo Tribunal Federal), a quem caberá definir se as demissões coletivas precisam ou não ser negociadas com os sindicatos; após pedido de vista do ministro Dias Toffoli, placar parcial está em 3 votos a 2 pela não exigência - Nelson Jr./STF

O que diferencia a despedida individual da coletiva é o fato de que naquela, em regra, a empresa não está obrigada a motivar e a justificar a dispensa, bastando despedir e pagar as verbas rescisórias. Já as demissões em massa estão sujeitas ao procedimento de negociação coletiva. Em outras palavras, as empresas somente podem demitir uma coletividade de trabalhadores após iniciado o diálogo com o sindicato profissional.

Mesmo aquelas pessoas que nunca passaram por uma despedida de emprego devem imaginar o que é ficar desempregado, tendo que manter a família, sem salário. Se para uma família o impacto é incalculável, imaginemos numa dispensa em massa, a qual pode envolver milhares de empregos, diretos e indiretos, empresas e comunidades locais.

Portanto, a negociação coletiva, ou seja, a participação sindical no diálogo social, será capaz de definir os impactos que a dispensa em massa produz na coletividade dos trabalhadores ou na comunidade e economia locais. Isso possibilitará ao Estado e aos sindicatos vislumbrar políticas sociais e econômicas possíveis para minimizar a redução da renda que era gerada com os empregos.

A Constituição Federal de 1988, ao mesmo tempo em que prevê limites às dispensas individuais e coletivas para evitar os efeitos sociais e econômicos (artigo 7º, I), assegura que a ordem econômica brasileira tem como pilares a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa. Isso tudo a fim de promover a existência digna, valorizando a função social da propriedade, a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca pelo pleno emprego, elementos essenciais para que a ordem social se estruture com base no primado do trabalho e alcance o bem-estar e a justiça sociais (artigo 193 CF/88).

Neste aspecto, a legislação trabalhista, que prevê a desnecessidade de autorização prévia de entidade sindical para a dispensa em massa (artigo 477-A), não alterou o princípio constitucional, pois não se trata de autorização, mas de mera exigência de diálogo social prévio.

Cabe ressaltar que, nos Estados Unidos e na União Europeia, os parâmetros para eventual dispensa coletiva são muito mais rigorosos do que a simples negociação coletiva com os sindicatos profissionais. Em países como Portugal, Espanha, Itália e Alemanha, a caracterização da dispensa coletiva não pressupõe percentual ou número alto de trabalhadores dispensados, devendo o ato de demissão ser analisado diante das circunstâncias observadas no contexto, do porte da empresa e do número total de trabalhadores.

Mas o ponto em comum com os países que adotam regras mais rígidas para os casos de dispensas coletivas são o diálogo social e a obrigatoriedade de negociação coletiva.

Na realidade, tudo se resume a algo cada vez mais escasso na nossa sociedade atual: conversar. É isso o que chamamos de diálogo social.

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