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Dimas Ramalho

O silêncio não é uma opção

Precisamos dizer o que pensamos e queremos: não é possível estar contente com o que temos

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Dimas Ramalho

Vice-presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Nem sempre é possível identificar o lado certo da história enquanto ela está sendo escrita. Mas há momentos em que só não enxerga quem não quer. É assim hoje no Brasil.

Também era assim na década de 1970, quando cursei a faculdade de direito no Largo São Francisco e mergulhei na militância estudantil, em defesa de liberdades democráticas e da anistia.

O conselheiro Dimas Ramalho, do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo - Bruno Poletti - 9.jun.16/Folhapress

Ao revirar minha gaveta de lembranças, ainda encontro um adesivo desbotado e uma camiseta que já não me serve, cuja mensagem estampada embalou outra luta, alguns anos depois: “Quero votar pra presidente!”. Já em 1988, a reorganização política e social nos trouxe a Constituição da República, que foi porto seguro de todas as crises que testemunhamos desde então.

Vimos, em 30 anos, a alternância de poder entre blocos políticos adversários, e o único caminho considerado por todos sempre foi a democracia. Agora, o debate, que antes opunha receitas diferentes para se buscar desenvolvimento, está sequestrado pelo medo e risco de retrocesso no elemento mais básico de nosso modelo de Estado: a possibilidade de escolhermos governantes de forma livre, com periodicidade fixa.

O presidente escolhido por 57,8 milhões de brasileiros aproveitou a oportunidade que lhe foi dada para boicotar o sistema por dentro, defendendo um punhado de valores que são o avesso do que projetamos em nosso pacto social.

O cotidiano foi invadido por ameaças diretas às eleições, ataques a instituições e Poderes, censura e agressividade com a imprensa, incitação à violência, apologia à tortura, omissão deliberada no combate à pandemia, desprezo pelo meio ambiente, entre outros incontáveis absurdos.

A manobra discursiva é simplista e descarada. Sob o pretexto de defender a lisura do processo eleitoral, Jair Bolsonaro diz que o pleito de 2022 pode não acontecer. A falta de lógica na construção de seu raciocínio mal disfarça a intenção de forçar a crise institucional generalizada. Sem voto, não há governante legítimo. Sem respeito à Constituição, nada mais é garantido aos brasileiros.

Ainda que nos toque a melhor das hipóteses, de fracasso da aventura anunciada, por falta de base política e social do atual governante, aliás, eleito pelas urnas eletrônicas, teremos de curar uma ferida em nossa história democrática. Isso demandará muita energia e tempo, no sentido de retomar o caminho constitucional.

Portanto, se quem tem dever de agir não age, é importante que a sociedade deixe claros os limites que impõe aos ocupantes do poder. Estou retomando neste outono as bandeiras da juventude, que, na verdade, são atemporais. O silêncio não é uma opção. Estamos, novamente, diante daqueles momentos em que é nítido o rumo que devemos dar à História nacional. Precisamos dizer o que pensamos e queremos. Não é possível estar contente com o que temos.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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