A meia-entrada é injusta, elitista e excludente. Devido ao enorme número de carteirinhas, na prática a inteira é o dobro e não a meia (ou metade). Quando um produtor ou empresário calcula o preço do ingresso, ele se vê obrigado a dobrar o valor para estabelecer a inteira.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, existe gente rica disposta a pagar o preço que for para se divertir. Na prática, a lei da meia-entrada encarece a cultura, excluindo milhares de pessoas do consumo cultural. Por que um aluno de uma universidade privada que paga R$ 3.000 de mensalidade tem direito ao benefício e alguém com a mesma idade que precisa trabalhar para ajudar sua família e ganha isso por mês, não?
Sem a lei da meia-entrada, haverá uma política de preços. Dias e horários com preços reduzidos. Para quem é jovem e não conheceu o período anterior à lei, em São Paulo havia a "promoção das quartas-feiras", quando todos os cinemas cobravam meia de todos. Por iniciativa própria. Em alguns, o valor era ainda menor do que a meia. Era o dia mais movimentado.
Teatros também tinham preços variados em dias e horários, assim como os museus. Quando assumi o Cine Belas Artes, em 2004, decidi trazer de volta a promoção de quarta-feira, oferecendo meia-entrada para todos. Ficava feliz em ver o cinema cheio e um público que não o frequentava aos finais de semana.
Um dia recebo uma notificação do Procon. Um aluno do Mackenzie havia feito uma reclamação exigindo pagar "meia da meia"! E que ele tinha razão. O resultado? Parei com a promoção. Todas aquelas pessoas que podiam assistir a filmes deixaram de ir ao cinema. Mas isso me incomodava muito. Pessoas que trabalham e não podiam ir em função do preço. De novo, a meia-entrada é um benefício que não alcança quem tem menos dinheiro. E sim quem tem uma carteirinha.
Acredito e dediquei minha vida à ampliação de público e à difusão cultural. Sempre pensando em como oferecer cultura de qualidade aos diversos segmentos da população. Quando dirigi o MIS (Museu da Imagem e do Som), tínhamos a abertura da exposição do cineasta Tim Burton à frente. Meses antes já havia uma procura enorme por ingressos. Resolvemos abrir as vendas antecipadas e cobrar um ingresso maior para quem quisesse esse privilégio. Quando a mostra estivesse em cartaz, haveria um dia grátis para quem não pudesse pagar.
Queria cobrar um preço único de R$ 40. Mas, voltando ao aluno do Mackenzie, sabia que teria de cobrar R$ 80. O que era muito. Inventamos uma promoção: R$ 80 a inteira e R$ 40 a meia. Quem doasse um livro em bom estado também pagava meia. O museu arrecadou mais de 2.000 livros, e a enorme maioria de ingressos custou os R$ 40.
Para um evento específico e num museu é possível inventar essas mágicas. Quando uma turnê internacional vem à região, porém, os ingressos no Brasil sempre são mais caros do que na Argentina e no Chile. Por causa da meia-entrada.
Viajar de avião, ir à academia, cortar o cabelo, assinar a Netflix. A carteirinha dá meia? As pessoas também gostam e precisam. Algum outro setor da economia está sujeito a essa imposição? Por que na cultura o Estado se vê no direito de interferir? Se o Estado acredita na importância da cultura, existem diversas formas de apoiar sua difusão que não esse modelo equivocado e elitista. Pode subsidiar os ingressos, pode oferecer em espaços públicos.
Existem diversas maneiras de ampliar o acesso à cultura. A lei da meia-entrada e a carteirinha com certeza não fazem parte. Sem a lei equivocada, espaços culturais e empresários farão suas políticas de preço: seja reduzindo o valor, seja criando promoções em dias e horários. Muito mais pessoas serão beneficiadas. Acabará, assim, a categoria dos "sem carteirinha". Todos serão iguais.
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