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Paulo Paim

Nos lanhos da alma

Brasil vive o seu apartheid, somos regidos por uma falsa democracia racial

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Paulo Paim

Senador da República (PT-RS), é presidente da Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados (CMMIR)

A marca da escravidão continua viva, se enraizando no silêncio da sociedade brasileira. Ela está no olhar que destrói, na palavra que discrimina, no açoite que mata pela cor da pele e no racismo estrutural, que faz sangrar os lanhos da alma do povo negro. O debate dessa realidade precisa ser fomentado diariamente na política, nas escolas, nas universidades, no mundo do trabalho, no meio artístico, nos veículos de comunicação, nas redes sociais, no ecumenismo, no esporte.

Fomos o último país do continente a abolir a escravidão. O povo negro foi largado à própria sorte; sem nada, apenas o céu para olhar. Os grilhões de ontem se perpetuam hoje na fome, na miséria, na pobreza, na violência, no desemprego.

O senador Paulo Paim (PT-RS) discursa no plenário do Senado - Alan Marques - 13.dez.16/Folhapress

A população brasileira é composta por 56,2% de pretos e pardos. A maioria é pobre. Temos a segunda maior concentração de renda do mundo. Mais de 70% dos que morrem por assassinato são negros. Entre as mulheres, quase 70%. Os homicídios aumentam.

Os pais das vítimas de balas perdidas choram. Crianças como Emilly, 4, Rebeca, 7, e João Pedro, 14. As meninas, mortas quando brincavam na porta de casa, em Duque de Caxias (RJ). O adolescente, atingido enquanto jogava videogame na residência de um primo, em São Gonçalo (RJ). Já João Alberto, 40, foi espancado até a morte por seguranças de um supermercado em Porto Alegre.

Mais de 60% dos jovens entre 15 e 29 anos que não estudam nem trabalham são negros. A educação é a porta para a cidadania. O Estado se omite desde a assinatura da Lei Áurea.

Emilly Victória, 4, e sua prima Rebeca Beatriz, 7, foram baleadas e mortas na comunidade do Barro Vermelho, em Duque de Caxias (RJ) - Reprodução

Não há negros na política. A representatividade no Congresso é baixíssima. Aliás, ele que deveria ser a representação do conjunto da sociedade, o espelho da diversidade brasileira, não o é. Isso se repete em todos os outros Poderes; nos governos estaduais, nas Assembleias, nas Câmaras de Vereadores.

Os menores salários nas empresas são reservados ao povo negro; ele não está em cargos de coordenação ou de chefia. O Brasil vive o seu apartheid, somos regidos por uma falsa democracia racial.

O 20 de novembro —Dia da Consciência Negra e de Zumbi dos Palmares— é uma data significativa. Para celebrá-la, o Senado aprovou três projetos: 4.373 tipifica como crime de racismo a injúria racial; 55 cria o Selo Zumbi dos Palmares nos municípios que adotarem políticas afirmativas; 2.000 reconhece o sítio arqueológico do Cais do Valongo (RJ) como patrimônio da história e da cultura afro-brasileira. Agora, precisam ser votados na Câmara.

Um dos criadores do Dia da Consciência Negra, o escritor e poeta Oliveira Silveira é influência para novas gerações - Tânia Meinerz/Divulgação

Temos que aprovar o 3.434, que reserva vagas para estudantes, negros e negras nos programas de pós-graduação. Precisamos instalar a Subcomissão da Igualdade Racial no Senado. O 5.231, que trata da abordagem dos agentes públicos e privados de segurança, já foi aprovado na Casa e aguarda votação na Câmara.

Sabemos o quanto dói ser discriminado e vítima de racismo. É como o punhal que atinge a alma e o espírito, que guilhotina a dignidade. Que o Brasil se encontre com a sua própria história, com sua brasilidade; como nos legou Oliveira Silveira, no andejar constante de encontrar nossas origens, na cor da nossa pele, nos lanhos da nossa alma.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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