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Fernando Holiday, Isa Penna e Tabata Amaral

Diálogos possíveis

O que deveria ser a exceção de radicais virou regra da não convivência política

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Fernando Holiday, Isa Penna e Tabata Amaral

Respectivamente, vereador por São Paulo (Novo), deputada estadual (PSOL-SP) e deputada federal (PSB-SP)

A assinatura tripla deste artigo deve surpreender (ou chocar?) muita gente. Afinal, o senso comum sugere que as flagrantes diferenças que nos separam politicamente nos mantenham... Separados! Não serão poucas as vozes radicais —incluindo críticos, mas também apoiadores, seguidores e eleitores de cada uma e de cada um de nós— que se apressarão em apontar o dedo e bater forte nessa ousadia.

"Como você se atreve a estar ao lado de um conservador radical e intolerante?", alguém perguntará. "Por que se unir a uma radical esquerdista?", questionará outra pessoa. "Dialogar com essa que se diz progressista de centro-esquerda e que frequentemente está ao lado de liberais? Um erro!", completará mais alguém.

Os politicos Fernando Holiday, Isa Penna e Tabata Amaral
O vereador paulistano Fernando Holiday (Novo), a deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP) e a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) - Keiny Andrade/UOL, Marlene Bergamo e Pedro Ladeira/Folhapress

Rótulos e generalizações fazem parte de um jogo que, na prática, provoca consequências: impedir diálogos, interditar debates, hostilizar adversários, estimular a violência política e reduzir quem pensa diferente de nós a inimigos a serem abatidos —e dos quais devemos manter uma providencial distância.

Essa é uma anomalia que nos últimos anos, infelizmente, saiu da rotina dos políticos e partidos para as rodas de conversa, os grupos de WhatsApp, os jantares familiares. O que deveria ser a exceção praticada por radicais virou a regra da não convivência política. Pensamos de maneira diferente —​entre nós, mas também em relação a esse jogo reducionista que, no fim das contas, põe a nossa democracia em risco.

E foi pensando assim que atendemos a um convite de uma turma que envolveu Fundação Tide Setubal, Despolarize, Redes Cordiais e Maranha Filmes para participamos de um encontro cujo propósito era justamente fazer um chamado ao diálogo. E incentivar a pensar sobre o papel de cada um e de cada uma de nós para que isso possa acontecer com todas as pessoas que pensam diferente. Queríamos poder definir com mais precisão o que é encontro e o que é fronteira, porque sabemos que o mais importante é não perdermos a capacidade de ouvir e falar e de aceitar as diferenças que nos separam.

Dessa conversa saiu o primeiro episódio de uma websérie que já está no ar, chamada "Diálogos possíveis". E do diálogo possível —e, sim, foi possível!— resultou este artigo, também um convite ao diálogo. Assim, com nossas diferenças, queremos chamar a atenção para o perigo em que o Brasil e sua abalada democracia estão mergulhados: da política institucional às relações interpessoais, precisamos recuperar nossa capacidade de comunicar e conversar sobre política. Sem medo e sem ódio.

Isso se torna ainda mais relevante quando caminhamos para um ano eleitoral que tem tudo para prejudicar ainda mais o ambiente já tóxico da nossa democracia. Precisamos deslegitimar a violência. Estabelecer pontes. Manter relações com pessoas de posicionamentos políticos diferentes, mas que estão dentro do campo democrático. Buscar conhecê-los e não demonizá-los. Explorar o potencial da comunicação para melhorar o debate e provocar diálogos.

Cada um de nós —incluindo os três que assinam este texto—, de algum modo, pode ter contribuído para chegarmos onde chegamos. Diante da constatação de que não nos enquadramos nas caixinhas ideológicas imaginárias, rótulos, agressões e essa lógica do "mire e abata" parecem falar mais alto do que argumentos.

Precisamos parar de normalizar esse tipo de prática. A democracia entra em xeque quando a divergência, por si, justifica atos de violência ou tentativas de silenciamento. Diferentemente do que muitos pensam, a polarização violenta não é aquela que separa duas ideias opostas. A polarização é ruim quando dois (ou mais) lados se fecham, não escutam, não dialogam. Quando um lado não aceita que o outro possa existir e ter uma visão diferente da sua. Quando aciona emoções negativas entre nós que distorcem a nossa percepção da realidade. Quando passamos a ver o outro como uma ameaça.

Combater essa realidade não é tarefa fácil. É difícil, doloroso e abre caminho para novos embates, porém necessários. É para o bem da democracia e para que possamos mirar nossa indignação para problemas e ameaças reais. A democracia é a nossa melhor escolha. Que possamos seguir nessa direção!

TENDÊNCIAS / DEBATES
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