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Eduardo Gouvêa

STF é a última trincheira contra o calote dos precatórios

Que a corte corrija inconstitucionalidades e a falta de compromisso com o país

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Eduardo Gouvêa

Presidente da Comissão Especial de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

A aprovação da PEC dos Precatórios pelo Senado Federal representa um retrocesso de décadas no sistema de pagamento das dívidas judiciais do poder público e uma grave ameaça ao Estado democrático de Direito, à responsabilidade fiscal e à economia do país.

O texto aprovado é manifestamente inconstitucional, posto que viola duas cláusulas pétreas: o princípio da separação dos Poderes e direitos e garantias individuais, ferindo diretamente o direito de propriedade, o princípio da isonomia, o direito à tutela jurisdicional efetiva e a razoável duração do processo, o princípio da segurança jurídica, o respeito à coisa julgada e ao direito adquirido; e, ainda, o princípio da moralidade administrativa.

Sessão no Senado que aprovou a proposta de emenda constitucional 23/2021, a chamada PEC dos Precatórios - Jefferson Rudy/Agência Senado

Em vez de criar uma fonte de receita permanente para atender à relevante demanda do Auxílio Brasil, a PEC prevê o confisco, por tempo indeterminado, do patrimônio privado de pessoas e empresas.

Importante lembrar que tal medida também tem caráter recessivo para a economia, dado que frustra investimentos, poupança e consumo das pessoas físicas e empresas públicas e privadas que receberiam os valores de seus precatórios.

O pagamento de precatórios não é ato discricionário, mas despesa obrigatória decorrente do cumprimento das decisões judiciais e jamais poderia ter sido submetido a qualquer tipo de limitação.

Vários atores, como associações, entidades de classe e instituições como a OAB, alertaram para as inúmeras inconstitucionalidades e efeitos nocivos constantes do texto aprovado no Senado Federal.

Uma das medidas aprovadas cria um limite para pagamento de precatórios; assim, qualquer valor acima desse limite previsto será pago nos anos subsequentes. Isso gera imprevisibilidade sobre os pagamentos e cria verdadeira bola de neve, que acumula ano após ano os valores além do limite. A Instituição Fiscal Independente do Senado Federal calculou que, nos próximos cinco anos, esses valores se acumularão em um total de R$ 1 trilhão. Um aumento de quase 20% na dívida pública federal, que em outubro fechou em R$ 5,4 trilhões.

Hoje, os precatórios se submetem ao regramento constitucional previsto no art. 100, que determina a obediência à ordem cronológica de apresentação. Isso significa que, quanto antes fosse expedido o precatório, antes seria pago.

A sistemática constitucional tem a finalidade de assegurar a isonomia entre os credores e evitar tratamentos discriminatórios injustificados.

No entanto, a PEC aprovada pelo Senado destrói o sistema de pagamento de precatórios e demonstra a falta de compromisso do país em honrar suas próprias obrigações provenientes de sentenças judiciais transitadas em julgado.

A PEC cria um cenário de insegurança jurídica, enfraquecimento da imagem do Brasil junto à comunidade internacional e instabilidade macroeconômica, com grave repercussão no risco Brasil.

Em um momento sensível de pandemia e cenário de tantas incertezas na economia brasileira, a inadimplência dos precatórios aumentará exponencialmente a dívida consolidada, com impacto direto e prejudicial na economia do país em médio e longo prazo, impactando, inclusive, a distribuição de renda.

Se o objetivo declarado é abrir espaço fiscal para destinar R$ 400 mensais às famílias mais necessitadas, é no mínimo incongruente que se faça isso por meio de um sistema que aumentará os juros da dívida, que acarretam custo de vida mais elevado e maiores rendimentos aos financiadores dessa dívida. Ou seja, retira dos mais pobres e entrega aos mais ricos, uma verdadeira distribuição de renda às avessas.

É lamentável que, em vez de atuarmos para resolver definitivamente os problemas, tenhamos iniciativas como essa de criar um problema ainda maior para o futuro próximo. Acreditamos que o Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição Federal do Brasil, terá a oportunidade de corrigir inconstitucionalidades da PEC dos Precatórios.

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