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Pierpaolo Cruz Bottini

Enfrentar a corrupção para além da Lava Jato

Deixemos de lado o maniqueísmo infantil e os brados de torcidas organizadas

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Pierpaolo Cruz Bottini

Advogado e professor de direito penal da USP

O debate sério sobre a corrupção no Brasil foi afetado pela Operação Lava Jato. Na esteira de sua ascensão, estabeleceu-se uma falsa impressão de que a única forma eficiente de enfrentar o crime seria pelos métodos pouco ortodoxos —para dizer o mínimo— praticados naquele contexto.

Fixou-se uma ideia de que toda crítica às conduções coercitivas, às prisões pouco fundamentadas, ao vazamento de dados sigilosos, à parcialidade de magistrados e às condenações sem provas implicaria a defesa de criminosos e suas práticas. Que qualquer debate sobre o enfrentamento à corrupção deveria passar pelo crivo de alguns poucos agentes públicos, consagrados por parte da mídia como portadores dos estandartes da boa vontade política e judicial.

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O advogado e professor de direito penal Pierpaolo Cruz Bottini - Folhapress

É preciso deixar de lado esse maniqueísmo infantil. É importante compreender que é possível debater política criminal com outros personagens, discutir formas de enfrentar a corrupção dentro dos parâmetros da lei, com respeito ao devido processo legal e às regras estabelecidas, que passem ao largo do arbítrio e de excessos nas medidas de coerção.

E, para isso, não é necessário reinventar a roda. Há inúmeras experiências nacionais e internacionais que podem servir de parâmetro para a construção de alternativas viáveis.

No plano legislativo, é possível ir além da ciranda do aumento de penas e do rigor das punições —já reconhecidas como inúteis em diversos trabalhos acadêmicos no Brasil e no exterior. É importante, por exemplo, organizar as regras de competência judicial para evitar longas discussões sobre que juiz é competente para apurar cada delito, em especial em casos de crimes complexos, transnacionais e cibernéticos.

No campo da lavagem de dinheiro, seria útil ampliar o número de profissionais obrigados a comunicar operações suspeitas, como aqueles que operam criptoativos e similares. Também é preciso atualizar as regras de prescrição, definir parâmetros para a quebra de dados nas investigações criminais, atualizar a legislação sobre drogas, racionalizar o procedimento de leniência de empresas que pretendem colaborar com o esclarecimento de crimes e definir com mais clareza o crime de obstrução de Justiça, dentre outros temas relevantes.

No plano administrativo, deve-se discutir a reformulação do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) para dotar a entidade de maior estrutura e capacidade de gerenciamento de informações a fim de garantir mais critério e efetividade na elaboração de relatórios e evitar investigações politicamente direcionadas. É preciso aprimorar os sistemas de cooperação internacional para que operações de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal sejam conhecidas e apuradas.

E há, ainda, uma tarefa imensa no campo da gestão de informações sobre políticas de segurança, onde é necessário implementar e aprimorar o Susp (Sistema Único de Segurança Pública), como recentemente defendeu o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

Não é possível combater o crime organizado quando os estados não compartilham com a União informações de inteligência ou mesmo dados estatísticos, quando cada unidade federada compartilha esporadicamente dados, quando o país não conta sequer com um índice nacional unificado de esclarecimento de homicídios.

Enfim, há muito a ser discutido para além da Lava Jato e seus métodos. Há pessoas capacitadas, com vontade de apresentar propostas. Há universidades com alunos e professores debruçados sobre essas questões, com dados, estatísticas e ideias a apresentar.

Rui Barbosa dizia que "mais vale simpatizar com o futuro, sondá-lo, dirigi-lo, do que deixa-lo fazer-se à nossa revelia". É preciso organizar o futuro. Ir além dos adjetivos, dos brados de torcidas organizadas. Há muito a ser feito, e existem ideias boas na mesa, que merecem ao menos uma olhadela daqueles que se propõe a fazer deste país um local mais seguro e agradável para se viver.

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