Descrição de chapéu
Rui Falcão e Mauro de Azevedo Menezes

A Lei do Impeachment deve ser atualizada? NÃO

Espera-se uma ferramenta de aprimoramento, não de frustração democrática

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Rui Falcão

Jornalista e advogado, é deputado federal (PT-SP); foi secretário de Governo da Prefeitura de São Paulo (2001-04, gestão Marta Suplicy) e presidente nacional do PT (2011-17)

Mauro de Azevedo Menezes

Advogado, é ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República (2016-2018, governos Dilma e Temer), mestre em direito público e doutorando em ciências jurídicas e políticas

A concepção do impeachment no regime presidencialista resulta da admissão de hipóteses de incompatibilidade com o exercício do cargo, tão sérias e indiscutíveis a ponto de sobrepujar o mandato democrático do chefe de Estado. Tais situações podem acontecer e estão adequadamente previstas na lei 1.079/1950, recepcionada pela Constituição de 1988, de acordo com o mandado de segurança 21.564, julgado em 1992 pelo Supremo Tribunal Federal.

O impeachment presidencial depende da ocorrência de um dos chamados crimes de responsabilidade, legalmente tipificados. Tais atos ou omissões traduzem atentados ao texto da Constituição da República. São circunstâncias inequívocas, nas quais o mandatário dá as costas aos seus deveres mais elementares como chefe do Poder Executivo. O processamento do impeachment impõe o ajustamento criterioso aos termos da lei, chancelados pela Carta atual (art. 85 e 86), como mecanismo de preservação institucional, num ambiente de freios e contrapesos próprio do Estado de Direito.

O deputado federal Rui Falcão (PT-SP), ex-presidente nacional do partido - Marlene Bargamo - 12.jan.22/Folhapress

Nesse sentido, não se deve fomentar a anômala utilização do impeachment como instrumento parlamentar de destituição de presidente da República que careça de apoio congressual. Essa é uma deformação que atrai indevidamente ao regime presidencialista um expediente próprio do parlamentarismo, que é o chamado voto de desconfiança, hábil a destituir um governo que perca as condições de conservação de maioria parlamentar. Aconteceu em nosso país, em 2016, no processo farsesco que implicou a deposição injusta e ilegítima da presidenta Dilma Rousseff (PT).

Por outro lado, a Lei do Impeachment não pode ser convertida em letra morta, sob conveniências políticas que façam vistas grossas a graves transgressões cometidas. Esse é o caso atual, em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) reiteradamente tem perpetrado crimes de responsabilidade ao atacar os demais Poderes da República; ameaçar a normalidade democrática; ofender a autonomia federativa; cercear o exercício de direitos humanos, individuais e sociais; e investir contra a integridade de instituições de Estado, desconstruindo políticas públicas de natureza constitucional.

A paralisia do Poder Legislativo diante da sua obrigação legal de impulsionar denúncias regularmente protocolizadas para a apuração desses atos criminosos, praticados pelo presidente da República, tem estimulado um debate sobre a pertinência de submeter a atual legislação a uma reforma que previna esse tipo de omissão. Mas a raiz do problema não se encontra especificamente na redação da norma, senão na tolerância que se empresta à sua distorção interpretativa. As mudanças propostas, uma vez levadas a efeito, podem trivializar um processo excepcional, reforçando a sua utilização em desvio de finalidade —como arma parlamentar que interdite a implementação de programas de governo de índole popular e que eventualmente possam desagradar setores das elites que mantenham presença expressiva nas Casas legislativas.

É preciso examinar as sugestões de aperfeiçoamento da lei do impeachment com equilíbrio. Embora possa haver correções pontuais, como para neutralizar o poder excessivo do presidente da Câmara dos Deputados na formalidade de recebimento das petições de denúncia —um antídoto ao engavetamento que hoje se verifica—, de modo geral o diploma legal não merece maiores reparos.

O que se espera fundamentalmente é que a Lei do Impeachment seja levada a sério, como ferramenta de aprimoramento —não de frustração da democracia brasileira.

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