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Arnaldo Niskier

Caça ao aprendiz

Alterações podem reduzir vagas num país com milhões de desempregados

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Arnaldo Niskier

Doutor em educação, é professor, jornalista e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL); presidente do Centro de Integração Empresa-Escola do Rio de Janeiro (CIEE/RJ)

A iniciativa foi do apagado Ministério do Trabalho. No dia 4 de maio foram editadas duas medidas que podem prejudicar 1 milhão de jovens aprendizes brasileiros —algo inacreditável, mesmo que se considere o seu caráter eleitoreiro. A medida provisória 1.116 e o decreto 11.061 (com 75 artigos) podem ser anulados, pois ferem direitos consolidados, o que é inconstitucional.

Isso caracteriza nitidamente a vontade de promover uma caça ao aprendiz, mexendo numa área que vem funcionando bem, o que deixa entidades como o CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola) bastante preocupadas. Essas alterações legais podem reduzir vagas de aprendizagem, um verdadeiro absurdo.

Num país com milhões de desempregados e desalentados, como assinalou o superintendente do CIEE/SP, Marcelo Gallo, não se pode conceber esse tipo de decisão. Outro dia, no centro de São Paulo, milhares de jovens se reuniram em busca de uma oportunidade de trabalho. Em muitos casos, seria o primeiro emprego.

Estamos diante de um processo de precarização do trabalho. O aprendiz agora poderia ter 29 anos (antes eram 24). Vamos acompanhar a discussão em curso no Congresso Nacional. Essa medida só vai tumultuar um detalhe importante do nosso esquema de desenvolvimento.

Se focalizarmos o ensino técnico, como faz a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), conclui-se que o número de matrículas está estagnado no patamar de 1,8 milhão de estudantes desde 2015 —um grande problema. O MEC não sabe resolver a questão, que não se resume a flexibilizar a oferta de cursos técnicos por universidades privadas. Só isso não basta. Reduzir os recursos para a educação, é claro, não representa a solução.

O absurdo é que tramita no Congresso o Estatuto do Aprendiz, que, em muito, inclui dados referentes a essa nova investida do Ministério do Trabalho; aliás a quarta da série.

Cita a ampliação de vagas, mas bloqueia as mesmas com a prioridade de, na conclusão das atividades, o aprendiz ter assegurado mais um período denominado aditivo contratual.

Essa é a pretensa flexibilização de regras para o cumprimento das cotas de aprendizes. Jovens vulneráveis passarão a contar em dobro, e os contratos terão prazo de até quatro anos (o atual é de dois anos).

Entidades ligadas à aprendizagem de jovens estão mobilizando parlamentares para suprimir da MP os artigos prejudiciais ao programa. Na prática, a pretexto de aumentar a contratação, o que vai acontecer é a redução da cota, enquanto se pode inferir que contar vulneráveis em dobro é uma prática discriminatória e inconstitucional.

Procura-se reduzir cotas, mas o que vai acontecer é a extinção do benemérito programa. É isso o que ocorrerá se prevalecer essa absurda medida provisória. Agora, o deputado federal Marco Bertaiolli (PSD-SP) se prepara para "limpar" da MP todas as decisões que contrariam os seus anteriores e nobres objetivos. O desvirtuamento do programa Jovem Aprendiz é o que quer o governo federal?

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