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Maria Paula Dallari Bucci

Educação dá voto?

O que está em jogo nas eleições é o seu significado no processo civilizatório

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Maria Paula Dallari Bucci

Professora da Faculdade de Direito da USP; ex-secretária de Educação Superior do Ministério da Educação (2008-2010, governo Lula) e ex-consultora jurídica do ministério (2005-2008, governo Lula)

Educação dá voto? Esta foi a pergunta feita por integrantes do Todos pela Educação a quatro governadores que falaram no ato de lançamento do movimento suprapartidário Educação Já 2022, no dia 26 de abril, em São Paulo. Os depoimentos gravados de pré-candidatos à Presidência da República, apresentados no mesmo ato, também buscaram votos nas suas respostas em favor da educação.

Aparentemente, a educação começou a dar voto no Brasil há cerca de uma ou duas décadas, quando houve um esforço consciente para vincular as duas coisas —sucesso eleitoral e melhoria educacional. Onde esse casamento acontece, ele se explica pela construção de políticas públicas educacionais. Não qualquer programa, mas políticas bem-sucedidas, que melhoram de fato a vida de estudantes, suas famílias e professores, formando jovens para a cidadania e o mundo do trabalho, geralmente reconhecidas por bons indicadores de desempenho educacional.

O marco inicial dessa virada de entendimento é difícil de precisar. Talvez o Plano Nacional de Educação, que se tornou lei em 2001. Muito debatido, seu sucessor, o plano de 2014, não teve melhor sorte em termos de efetivação, embora suas metas e estratégias, parcialmente experimentadas, tenham contribuído para criar a consciência que deságua no documento orientador do Educação Já 2022: "Contribuições para a construção de uma agenda sistêmica na educação básica brasileira".

Essa concepção sistêmica vem sendo incorporada pela comunidade da educação pública, que encara os problemas de forma muito mais sofisticada do que no passado, evidenciando quão simplórios eram os diagnósticos resumidos a uma saída única, como falta de financiamento ou de vontade política.

É evidente que recursos financeiros e sustentação política são pilares da política educacional e o começo de tudo. Mas quem acompanha de perto as soluções educacionais que vêm inspirando as melhores práticas no Brasil, como as adotadas nos estados do Ceará, Pernambuco e Espírito Santo, sabe que o desafio é manter a sustentabilidade política que garante a perenidade do financiamento e a continuidade das medidas que demoram mais de uma gestão governamental para mostrar resultados.

Quando os produtos da política pública aparecem, dá-se a virada, e os resultados passam a ser, em si, os sustentáculos da política, como defendeu o cientista político estadunidense Theodore Lowi ao afirmar que "policies determine politics". O segredo para atingir esse ponto é um mix de técnica e política, um conjunto bem articulado de respostas sobre financiamento, gestão escolar, formação de professores e aprendizagem, entre outras. Mais importante, só se chega a ele pela colaboração dos vários atores envolvidos.

Essa combinação entre política e governo —virtuosa, poderíamos dizer— tem também uma forma viciosa. No caso da educação, cumpre lembrar a prática corrente da nomeação política dos diretores escolares, que se espera superar com a alteração da Lei de Diretrizes e Bases em debate no Congresso Nacional, exigindo a adoção de critérios técnicos de mérito e desempenho, além de participação da comunidade escolar para essa escolha.

Mas o exemplo mais gritante da junção viciosa está no desgoverno das últimas gestões no MEC, em que as pautas de costumes mascaram trocas de favores em benefício dos amigos do ministro. O ativismo do atraso também dá voto.

É alentador constatar que o trabalho pela construção das políticas públicas mais consistentes, como a alfabetização na idade certa, a escola em tempo integral e a educação na primeira infância, foi capaz de manter a mobilização da comunidade educacional num período em que a militância do atraso se mostrou mais ruinosa, com a pandemia sacrificando a vida escolar de milhões de jovens sob a omissão escandalosa do Ministério da Educação.

O que está em jogo nas próximas eleições não são dois padrões equivalentes para o jogo da competição política, mas visões distintas do significado da educação no processo civilizatório. Mobilizar a sociedade para cimentar com o voto a sustentação política das boas políticas públicas educacionais é uma vacina contra o retrocesso.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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