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Alexis Vargas

A dispersão da cracolândia tem ajudado no acolhimento aos usuários? SIM

Tráfico desestruturado e concentrações menores estimulam interações

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Alexis Vargas

Advogado e doutor em direito constitucional, é secretário-executivo de Projetos Estratégicos da Prefeitura de São Paulo

Em maio de 2019 era sancionada a lei que instituiu a Política Municipal de Álcool e Drogas. O projeto teve gênese com o lançamento, dois anos antes, do programa Redenção, que agora completa cinco anos, coroado como a política pública mais longeva implementada na cracolândia. A herança de 2016 era uma concentração de mais de 4.000 pessoas fazendo uso abusivo de substâncias —sobretudo o crack—, inseridas em um intenso mercado de drogas a céu aberto, no qual o poder público era mero espectador marginal.

A cena, embora paralisante, nos impulsionou a revisitar as estratégias adotadas nestas quase três décadas de existência da cracolândia. Aprendemos com os acertos e especialmente com os erros do passado, reunimos especialistas, buscamos embasamento teórico e empírico nas experiências internacionais. Entendemos que a resposta governamental a um problema crônico e tão complexo não viria de promessas fáceis ou soluções rápidas.

A cracolândia resistiu a diversas iniciativas do poder público. Algumas voltadas à repressão policial, outras ao tratamento em saúde, outras à requalificação do espaço urbano. Algumas do estado, outras da prefeitura. Verificamos em São Paulo o erro da política pública incompleta e inocente: a oferta de vagas em hotéis no meio da cena de uso, com distribuição de recursos financeiros aos dependentes químicos, só fez aumentar a cracolândia.

O estudo das políticas públicas adotadas em Frankfurt, Viena, Zurique, Lisboa e Bogotá demonstrou um conjunto de iniciativas de sucesso: integração entre as diversas políticas públicas, ampliação de vagas de acolhimento ou moradia, requalificação urbana do território e estratégias de dispersão —algumas adotando tolerância zero para aglomerações.

O Redenção foi criado com essa inspiração. Redesenhamos os serviços, reposicionando-os com distâncias estratégicas da cena de uso. Ampliamos e requalificamos suas vagas, integrando ações de saúde, assistência social, trabalho e renda. Definimos uma coordenação integrada dessas áreas com a zeladoria urbana e a segurança pública. Pela primeira vez, prefeitura e estado adotam plano conjunto e ação coordenada.

A partir do aprofundamento da inteligência policial, foi possível entender o funcionamento e o fluxo financeiro do crime organizado. Assim, conseguimos quebrar a economia da cracolândia: proibição de barracas, acesso controlado ao fluxo, uso de cães farejadores, desapropriação de imóveis do entorno e prisão de traficantes. A Operação Caronte é um marco nesse aspecto. Esse trabalho foi desidratando a concentração de pessoas. Em 2018, já eram menos de 2.000 pessoas e, em 2021, chegamos a 1.100.
Nesse mesmo período, instalamos 1.700 unidades habitacionais e levamos mais de 4.000 pessoas para morarem na região central da cidade.

Em 2022, a dispersão se consolidou. No momento atual, temos um tráfico desestruturado e concentrações menores e muito dinâmicas, com poucas superando cem pessoas.

E essa dispersão tem gerado um aumento na busca de tratamento pelos usuários. Entre janeiro e maio, o encaminhamento de usuários para atendimento no Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica (Siat 2) aumentou mais de seis vezes. O número de pessoas atendidas no Caps (Centro de Assistência Psicossocial) neste mesmo período avançou 35%, atingindo 610 pessoas. As abordagens sociais cresceram 29%, e os acolhimentos, 30%. As ocorrências policiais do território se mantiveram estáveis.

Os números confirmam que estamos no caminho certo. A cracolândia está cada vez menor, os usuários estão tendo mais atendimento e o centro da capital paulista está cada vez mais ocupado por famílias.

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