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Gabriela de Brelàz e Marco Antonio Carvalho Teixeira

A reeleição consecutiva de parlamentares

Limitação reduziria desigualdade na competição e permitiria formação de mais quadros

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Gabriela de Brelàz

Doutora em administração pública pela FGV Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), é professora da Unifesp

Marco Antonio Carvalho Teixeira

Cientista político, é doutor em ciências sociais pela PUC-SP e professor da FGV Eaesp

Diariamente, ficamos chocados diante de fatos que envolvem decisões políticas e que claramente se constituem em uso privilegiado de dinheiro público. Vive-se um processo de naturalização de situações que antes eram consideradas absurdas e que já serviram, inclusive, para a abertura de processos de impeachment e impedimento de candidaturas em diferentes níveis de poder, do nacional ao subnacional.

Presenciamos um enorme retrocesso em termos de transparência da execução do Orçamento público, um ganho democrático que vinha se consolidando de maneira incremental desde a Constituição de 1988.

Artistas acompanham sessão do Congresso Nacional que derrubou o veto do governo Jair Bolsonaro (PL) às leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo, que destinam recursos à cultura - Pedro Ladeira 7.mai.22/Folhapress

Criou-se a figura do orçamento secreto para distribuir emendas a parlamentares, busca-se torná-lo impositivo reduzindo a capacidade dos governos em produzir políticas públicas, além das manobras para torná-lo ultrassecreto e a permissão para mudanças no objeto da emenda no município beneficiado em pleno ano eleitoral. Publicamente se assume, sem nenhum temor, que tais recursos, alocados de forma nebulosa, são utilizados para comprometer parlamentares com o governo e para que estes consolidem ou ampliem suas lealdades eleitorais.

Lembremos de um presidente da Câmara dos Deputados que pediu "uma diretoria que fura e acha poço de petróleo" para apoiar o governo. Não podemos esquecer de outro que era tido como alguém que apadrinhava recursos de financiamento de campanha, ainda privado, e com isso mantinha uma bancada parapartidária em seu apoio.

O que havia em comum entre esses dois: a longevidade dos mandatos consecutivos. O primeiro estava no terceiro mandato ininterrupto, quando renunciou após ser envolvido em escândalo de corrupção. O segundo estava no exercício do seu quarto mandato consecutivo, quando foi cassado por quebra de decoro em relação a contas na Suíça investigadas pela Operação Lava Jato. Um exemplo mais extremo foi o outro presidente da Câmara, entre 1993 e 1995, que estava no seu décimo mandato contínuo quando chegou ao comando da Casa. Tais situações se repetem nos Legislativos subnacionais.

O instrumento do orçamento secreto pode servir também para consolidar o poder do atual presidente da Câmara, que busca seu quarto mandato consecutivo de deputado federal neste ano e, com isso, ficar mais um período no comando da Mesa da Casa. Um caminho para enfrentar esse problema é discutir a limitação da reeleição consecutiva dos parlamentares, usando o mesmo critério que já existe para os mandatos do Poder Executivo (eleição e reeleição). Esse não é um debate novo. Nos EUA, 15 estados adotam algum tipo de restrição a mandatos consecutivos para deputados estaduais. Os estados americanos têm uma grande autonomia para legislar, podendo inclusive tratar do sistema eleitoral e de regras políticas. O México, que durante algum tempo proibia a reeleição imediata de parlamentares, acabou derrubando tal veto em 2013, mas limitou a reeleição de deputados a três mandatos consecutivos.

Uma das poucas formas de termos tais entrantes no processo político, o que é saudável para a democracia, é limitando o número de mandatos consecutivos. A limitação propiciaria menos desigualdade na competição e permitiria a formação de mais quadros que, naturalmente, devido à concorrência, teriam que se preparar para a função.

Difícil acreditar que tal iniciativa viria da classe política porque ativos como emendas parlamentares são moedas valiosas para a reeleição e ficam sob o comando dos mais longevos no poder. Raramente uma reforma política no Brasil não tem sido feita em benefício de quem já tem mandato, ampliando as dificuldades de novos entrantes. A forma como os partidos decidem a alocação dos recursos do Fundo Eleitoral também vai nessa direção. Os parlamentares só vão encaminhar mudanças que lhes retirem privilégios por meio de uma grande pressão social. O caminho para mais democracia, mais debates de ideias e mais republicanismo começa na sociedade.

Não há como negar que vivemos uma crise política que é longa e que deteriora a confiança nas instituições. Todavia, a única saída para essa crise é fazer política, é debater publicamente à luz dia e construir saídas conjuntas, sem orçamento secreto e com maior engajamento social.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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