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Dias Toffoli

O equilíbrio essencial à democracia

Devemos realizar promessas sociais para afastar as sombras do autoritarismo

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Dias Toffoli

Ministro do Supremo Tribunal Federal

Convidado a debater o equilíbrio entre os Poderes no seminário que a Esfera Brasil promove nesta sexta-feira (19), em São Paulo, ao lado do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), lanço uma provocação: qual é o equilíbrio democrático que buscamos neste mundo de profundas mudanças?

Vivemos tempos de disrupção tecnológica e de uso de algoritmos que conduzem multidões para o conflito. Trata-se de desafios ainda não totalmente assimilados pela sociedade e pelas instituições democráticas em particular, mas que têm gerado severa erosão do espaço político e social da democracia liberal.

Às instituições cumpre diagnosticar, com precisão, as razões do desgaste do modelo democrático em todo o mundo. Precisamos refletir sobre o papel do Estado diante de uma cidadania mais consciente de seus direitos e carente de respostas na velocidade própria do mundo digital. É essa mesma cidadania que está sujeita aos perigos da desinformação em massa e das notícias fraudulentas produzidas nas bolhas antidemocráticas.

No Brasil, desde as manifestações de 2013, vivemos uma sucessão de momentos turbulentos. Tendo a Constituição como norte, nossa jovem democracia tem mostrado resiliência institucional. Mas só resiliência não é suficiente. As insurgências contra nossa democracia se sustentam em sentimentos difusos de insatisfação da população em face do Estado e da precária implementação das promessas constitucionais.

Alcançar esse novo equilíbrio requer foco na cidadania. O Estado é provedor de direitos, de segurança e de múltiplos serviços. Com a instantaneidade da era digital, a cidadania exige respostas efetivas e céleres. Os cidadãos e as cidadãs não aceitam mais ficar em compasso de espera. A eficiência do Estado é a chave para o resgate da confiança na democracia, mediante a entrega de melhores serviços.

Como gerar esses resultados em tempos de crispação? O conflito permanente impõe custos pesados à economia e, sobretudo, aos mais pobres e marginalizados pela desigualdade. As urgências da cidadania exigem diálogo propositivo, serenidade e resolução democrática e pacífica das diferenças.

Nesse caminho, a harmonia e o equilíbrio de forças entre os Poderes são fundamentais. Cabe à política —por meio dos representantes eleitos para o Executivo e o Legislativo— liderar a realização das exigências da cidadania a tempo e modo adequados às exigências sociais.

Na busca pelo equilíbrio, cabe ao Judiciário garantir segurança jurídica e harmonia social. Cabe a ele realizar o direito na vida do cidadão e manter a estabilidade democrática, tendo como guia a Constituição.

O momento é oportuno. Em outubro, cada cidadão projetará nas urnas seus anseios e, assim, participará do ritual de renovação da democracia. As urgências do Brasil exigem propostas, programas e rumos claros. É preciso indicar concretamente à cidadania os caminhos que se pretende percorrer. Insultos e gritaria não resolvem os problemas nacionais.

A democracia brasileira já mostrou sua pujança. Foi nela que superamos desafios como os da dívida externa, da alta inflação, da indisciplina fiscal na federação e da instabilidade da moeda. Na área social, também há conquistas a celebrar, como nosso sistema público de saúde —cuja importância testemunhamos nesta trágica pandemia— e nossos mecanismos econômicos e sociais de distribuição de renda e de atendimento à população mais vulnerável.

Mas ainda precisamos de soluções para questões concretas e urgentes relativas à educação, à segurança pública, aos regimes tributário e fiscal, à administração pública e à desburocratização. Problemas como as profundas desigualdades sociais e regionais, a pobreza, a marginalização, a situação de risco de crianças e jovens, a violência doméstica e de gênero, dentre outros, são grandes óbices à concretização da cidadania e da justiça social no Brasil.

Como já advertia Hannah Arendt, as soluções totalitárias surgem como uma forte tentação "sempre que pareça impossível aliviar a miséria política, social ou econômica do homem de um modo digno". Para afastar as sombras do autoritarismo, em democracia e para a preservação da própria democracia, precisamos ser capazes de realizar as promessas sociais da Constituição Cidadã. É assim que vamos alcançar o equilíbrio essencial à democracia: o equilíbrio social que se constrói com a superação das desigualdades, a partir de uma sociedade mais desenvolvida, justa e igualitária.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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