Descrição de chapéu
O que a Folha pensa desmatamento

Espinheiro amazônico

Licença apressada do Ibama para asfaltar rodovia BR-319 abre caminho para mais devastação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Imagem captada por satélite no ano passado mostra áreas desmatadas no entorno da rodovia BR-319, na Amazônia. - Reprodução

O governo Jair Bolsonaro deixou para a undécima hora o início do cumprimento de uma promessa da campanha de 2018: repavimentar a rodovia BR-319. Se o faz só agora, é com claro interesse eleitoral, pois procede sem o menor cuidado com o potencial devastador da obra.

Coube ao presidente do Ibama, Eduardo Bim, mandar às favas as cautelas e pôr em marcha o projeto. Em julho, emitiu licença ambiental prévia para a reconstrução, contrariando precondições estipuladas pela própria autarquia que dirige.

A BR-319 liga Manaus a Porto Velho desde os anos 1970. Nesse meio século de uso, o pavimento terminou desfeito pelas intempéries amazônicas. Chuvas tornam a estrada intransitável em metade do ano.

Asfaltar a BR-319 é pleito legítimo de moradores e fazendeiros ao longo de seus 400 km de extensão. Mas não de qualquer jeito: há farta evidência de que rodovias pavimentadas funcionam na Amazônia como indutores de desmatamento.

Foi assim com a BR-364 em Rondônia e está sendo com a BR-163 no Pará. O acesso facilitado a posseiros, grileiros e madeireiros ilegais resulta no padrão "espinha de peixe" revelado por satélites, com derrubadas de floresta nos ramais perpendiculares à nova estrada.

Daí a recomendação, por gestões anteriores do Ibama, de iniciativas de governança para prevenir o pior, como criar unidades de conservação ao longo da rodovia, instalar postos de fiscalização ambiental e promover consultas públicas.

A decisão atrabiliária de Bim atropelou esses dispositivos de prevenção. Prevê quando muito a possível instalação de três postos com fiscais, em momento indeterminado.

Não causa surpresa que, com a promessa de Bolsonaro, tenham aumentado as derrubadas na região, que até pouco tempo atrás ostentava um dos blocos mais preservados da Amazônia.

Até mesmo o plano de regularização fundiária de terras não destinadas da União, gestado no Ministério da Economia, suscita preocupação. Entre as 29 glebas federais abrangidas, há 17 que abrigam imóveis privados. Embora a maioria já se encontre certificada pelo Incra, há ao menos duas grandes fazendas com fortes indícios de grilagem.

Tudo que se faz com açodamento e sem precaução, como tantas obras de infraestrutura na Amazônia, segue o roteiro mais que conhecido: sucessivas interrupções da obra por intervenção do Ministério Público e da Justiça, destruição ambiental e caos social.

editoriais@grupofolha.com.br ​ ​

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.