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James Francisco Pedro dos Santos

O sistema de saúde é capaz de arcar com o novo piso salarial da enfermagem? SIM

Relatório de impactos financeiros aprovado na Câmara demonstrou viabilidade

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James Francisco Pedro dos Santos

Enfermeiro e docente dos cursos de pós-graduação da Faculdade Israelita Albert Einstein e Ensine, é presidente do Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP)

A lei 14.434/2022, que institui o piso salarial da enfermagem em R$ 4.750, representa um marco histórico da profissão e da saúde brasileira, simbolizando a correção de décadas de salários desvalorizados e incompatíveis com as responsabilidades e riscos inerentes à categoria.

Não é a primeira vez que a enfermagem se depara com a resistência do mercado na conquista de direitos. O piso salarial da enfermagem vem sendo discutido desde 2020 e os valores já eram conhecidos, não podendo ser tratados com surpresa. Inclusive, projeto da mesma natureza já tramitava há mais de duas décadas no Congresso. Portanto, houve tempo para definição de fontes de financiamento, da mesma forma para discutir uma saída para a situação das Santas Casas e prefeituras, cujas dificuldades financeiras são antigas e recorrentes, independentemente do piso da enfermagem.

Enfermeira realiza teste de Covid-19 em posto de saúde localizado no terminal rodoviário de Brasília - Antonio Molina - 6.jan.22/Folhapress

O relatório de impactos financeiros aprovado por unanimidade na Câmara dos Deputados demonstrou a viabilidade da proposta, correspondendo a apenas 2,7% do PIB da Saúde em 2020; e a um acréscimo de 2,02% na massa salarial anual dos contratantes, além de apenas 4,8% do faturamento dos planos de saúde em 2020, que, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, tiveram um aumento do lucro líquido de 49,5% no mesmo ano.

Além disso, as fontes de financiamento —desoneração das folhas de pagamento, destinação de parcela da arrecadação da regulamentação de jogos de azar e utilização de recursos dos royalties de exploração de petróleo— vêm sendo amplamente debatidas e precisam ser tratadas com celeridade.

O Dieese calculou, em abril, que o sustento mínimo de uma família de quatro pessoas demanda mais de R$ 6.000. Em 2018, o Ipea estimou que quase metade dos lares brasileiros eram comandados por mulheres. A enfermagem é composta por mais de 80% de mulheres, muitas vezes mantendo mais de um vínculo de trabalho para obter condições mínimas de sobrevivência. Com a lei 14.434, os enfermeiros terão um piso de R$ 4.750, ainda aquém das demandas de uma família. Além disso, levantamento realizado pelo Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) mostrou que cerca de 80% dos profissionais do estado têm rendimentos inferiores a quatro salários mínimos.

Saúde não se faz apenas com números. O setor é movido por pessoas que lidam com vidas e que demonstraram na pandemia uma realidade que já era óbvia: a categoria se arrisca diariamente na linha de frente. Estudo da Universidade de Cambridge denominado "O Caso do Salário Mínimo" mostra que salários dignos geram retorno para o setor empresarial e para a sociedade, pois implicam menor rotatividade, reduzindo custos com seleções e treinamentos, além de contribuir com a economia e redução das desigualdades. Portanto, o piso salarial não é gasto, mas sim investimento, refletindo na qualidade da assistência prestada aos cidadãos.

A viabilidade financeira é fundamental para a garantia do piso salarial e, por isso, este é um momento de união entre os setores da saúde e os políticos para buscar caminhos que assegurem esse direito. É urgente a revogação da emenda constitucional 95, o teto de gastos, que, de acordo com o Conselho Nacional de Saúde (CNS), retirou R$ 22,5 bilhões de investimentos do setor entre 2018 e 2020. Não se pode admitir que a conta da falta de financiamento recaia sobre a enfermagem, que é a espinha dorsal da saúde e merece a devida valorização.

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