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José Luiz Portella

Quando políticas públicas não funcionam

Acionistas do Brasil são todos os brasileiros, mas os mais pobres têm precedência

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José Luiz Portella

Engenheiro civil, é doutor em história econômica (USP) e pesquisador do IEA-USP (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo)

Infelizmente, perdemos bilhões de reais em políticas públicas que naufragam. Os principais motivos do desperdício ocorrem quando:

1 - Não se cuida da implantação. Não se efetiva uma estrutura completa, capaz de proceder a implantação. Política não é só ementa e palavrório. Precisa de arcabouço organizacional. Estruturas humanas e materiais harmônicos entre si e organizados. Como a maioria dos planos de desenvolvimento já aplicados no Brasil —à exceção do Programa de Metas de Juscelino Kubitschek, que instituiu a industrialização pesada e simbolizou os "50 anos em 5";

2 - Planeja-se para "anunciar", sem pensar na efetivação. Os agentes públicos querem estar na foto da largada, não se preocupam com a de chegada. Como várias políticas perdidas no caminho, uma refinaria que não refina, uma hidrelétrica com escassez de linhas de transmissão. É a política da "pedra fundamental": inaugura-se um bloco de concreto e, depois, o resto não importa. É quando o vício não homenageia à virtude, e o governante é cara de pau;

3 - O conceito de "Autonomia Inserida" desenvolvido por Peter Evans ("Embedded Autonomy", no original) é negligenciado. A articulação entre Estado e mercado, a participação da sociedade nos projetos de Estado e a relação entre forças produtivas e burocracia no sentido weberiano. Quando essa articulação é deficiente ou ausente, as políticas fracassam. É o caso dos projetos da área da saúde do governo federal atual.

4 - Não existe medição do impacto real da política junto à sociedade. A real eficiência e eficácia não são mensuradas com detalhamento dos resultados. Prefere-se não medir o produto, ou medi-lo incorretamente, misturando com outros fatores alheios a ele para turbinar o resultado. Caso dos planos Brasil em Ação, PAC 1, PAC 2 e Ponte para o Futuro —este um conjunto de objetivos genéricos, sem metas. Meta é um objetivo com quantificação e prazo, vide as 31 metas do plano de JK, um modelo;

5 - Não se aplica a sequência do Ciclo de Deming ou PDCA (plan-do-check-act; "planeje-faça-confira-atue", em tradução livre), que busca a melhoria dos processos. Sobretudo na sequência das atividades, menospreza-se o treinamento da equipe que fará a implantação. Nenhum funcionário está preparado para qualquer elucubração do governo. Treinamento assegura eficiência e motivação ao descortinar o porquê do que estão fazendo. Trabalhar sem saber o significado é desalentador;

6- Os interesses da base parlamentar de apoio se sobrepõem aos objetivos colimados. Todo governo, em todo lugar, precisa compor. Mas é preciso manter a essência, senão não faz sentido governar apenas pelo poder.

Os fatores acima podem estar isolados ou juntos e misturados. Políticas públicas são essenciais em todos os lugares. E devem ser analisadas sob esses aspectos citados, não apenas pelo tradicional trinômio: intenções, orçamento, ideologia. Candidatos são questionados só pelo trinômio e relegam o fundamental nas explanações (sem serem inquiridos).

No Brasil, para vencermos a iniquidade, a agressividade e a impunidade, as políticas públicas são imprescindíveis. A iniciativa privada não as cumprirá devidamente.

A articulação do Estado com o mercado é essencial e chave do sucesso. Varia conforme a área de atuação. Como termos uma renda universal básica, com foco na extrema pobreza, enquanto construímos as condições para estendê-la a todos, com valores diferenciados. Depois da extrema pobreza, vem a pobreza. Os acionistas do Brasil são todos os brasileiros; contudo, os mais pobres têm precedência.

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