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Jairo Nicolau

Abstenção e suas variáveis podem definir o primeiro turno

Há de se observar as mulheres, os idosos e o nível de escolaridade

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Jairo Nicolau

Cientista político, professor e pesquisador da FGV/CPDOC, é autor dos livros ‘O Brasil Dobrou à Direita: uma Radiografia da Eleição de Bolsonaro em 2018’ (2020) e ‘Representantes de Quem? Os (Des)caminhos do seu Voto, da Urna à Câmara dos Deputados’ (2017), ambos publicados pela editora Zahar

Desde 1994, os eleitores brasileiros que comparem às urnas no primeiro domingo de outubro são tomados pela mesma dúvida: a eleição presidencial será decidida no primeiro turno? Nas últimas cinco disputas, não foi.

Esse quadro de incerteza gera uma busca do que poderia influenciar no resultado da eleição: a escolha dos indecisos, o peso do voto útil, a influência das pesquisas eleitorais, o efeito do debate da Rede Globo, o volume de votos nulos e em branco. Ou numa hipótese mais dramática: "Quem sabe as pesquisas estariam errando? Haveria algo acontecendo, e as pesquisas simplesmente não conseguiriam captar?".

O ex-presidente Lula (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) - Miguel Schincariol/AFP e Zanone Fraissat/Folhapress

Neste ano, uma das principais hipóteses é que a taxa de abstenção pode ser decisiva para o resultado do primeiro turno. O total de eleitores que deixam de votar estaria aumentando, e os que não comparecem têm perfil diferente dos que comparecem. A conclusão é simples: a taxa de abstenção definirá se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vence ou não no primeiro turno.

O que sabemos sobre a taxa de abstenção no Brasil? Em primeiro lugar, que ela oscila em torno de 20% e está avançando lentamente desde 2006. A taxa de comparecimento das últimas cinco eleições foi a seguinte: 2002 (82%), 2006 (83%), 2010 (82%), 2014 (81%) e 2018 (79%).

É preciso lembrar que o voto não é compulsório para dois grupos: analfabetos e pessoas com 70 anos ou mais. Em 2018, apenas 37% dos eleitores com mais de 70 anos compareceram para votar. Com o envelhecimento da população, a ausência dos idosos é cada vez mais relevante para explicar a taxa final de abstenção.

Um contingente de eleitores falta simplesmente porque não está no seu domicílio eleitoral. São pessoas que mudaram de cidade e não transferiram o título de eleitor. O recadastramento biométrico reduziu esse problema nas cidades em que o sistema foi implementado.

Em que pese muitos analistas interpretarem a abstenção como uma decisão estritamente política ("Não tenho interesse por política e simplesmente não vou votar"; "Não gosto de nenhum dos nomes que disputam, prefiro ficar em casa"), não há pesquisas sobre o tema. Não sabemos quantos eleitores deixam votar por motivação política.

Sabemos ainda que existe uma diferença de gênero no perfil de quem comparece às urnas. Em uma análise que fiz recentemente com os dados do primeiro turno das eleições de 2018, me surpreendeu o fato de que as mulheres comparecem mais do que os homens. A diferença foi pequena (80,4%, ante 79,2%), mas relevante em um país que tem uma das menores taxas de mulheres representadas em cargos políticos.

No entanto, a diferença mais importante na taxa de comparecimento está associada à escolaridade: quanto maior a faixa de escolaridade, maior o comparecimento. Em 2018, 77,4% dos eleitores com ensino fundamental incompleto (maior segmento do eleitorado) compareceu para votar no primeiro turno. Já entre as pessoas com superior completo, a taxa de comparecimento foi de 88,4%.

A campanha de Lula tem pedido aos eleitores (sobretudo os de menor escolaridade) que saiam de casa neste domingo (2). Pelo que me consta, a campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) não fez o mesmo.

Um fator adicional que pode afetar a abstenção em 2022: a justificativa online. Esta será a primeira eleição presidencial em que os eleitores poderão usar o celular (e-título) ou o site do Tribunal Superior Eleitoral para justificar a sua ausência das urnas. Antes, o eleitor que queria justificar no dia do pleito precisava se deslocar até um lugar (em geral, uma agência dos Correios). A justificativa online aumentará a abstenção? Qual é o perfil de quem não votará neste domingo? Não sabemos.

A abstenção eleitoral é fruto de uma combinação de fatores, e é muito difícil estimar que forças políticas perdem ou ganham com ela. Mas é bom não perder de vista que o comparecimento eleitoral no Brasil é comparativamente alto: está no nível de outras democracias que adotam o voto compulsório.

Hoje, 8 de cada 10 inscritos devem comparecer para votar. Um deles deve anular ou votar em branco. Logo conheceremos o novo presidente da República —ou começaremos uma nova onda de estudos para saber se foi a abstenção que nos impediu de conhecê-lo.

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