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Claudio de Senna Frederico

A tarifa zero para os ônibus de São Paulo seria uma política correta? NÃO

Demanda reprimida cresceria demais, e há risco de colapso do sistema

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Claudio de Senna Frederico

Engenheiro, é vice-presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e ex-secretário de Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo (governo Mario Covas, 1995-2001)

A expressão popular "de boas intenções o inferno está cheio" é clara: somente ter boas intenções não basta, é preciso realizá-las.

A redução do preço do transporte público é uma das metas do marco regulatório discutido em todo o país e apresentada pelo MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional) em Salvador nesta semana. Uma vez aprovada, o governo federal passará a ser um dos financiadores permanentes do transporte público urbano em todo o Brasil.

O modelo em que apenas a receita arrecadada com os passageiros que pagam as tarifas remunera o serviço já não funciona há algum tempo e se tornou crítico durante a queda de demanda na pandemia.

O passageiro Felipe Okelly, 27, que utiliza dos serviços gratuitos de ônibus e bicicletas oferecido pela Prefeitura de Maricá (RJ) - Lucas Seixas - 18.ago.22/UOL

Vários municípios já apoiam seus sistemas de transporte público e o fazem muito além de sua capacidade financeira, prejudicando suas demais obrigações. O simples equilíbrio futuro dentro da qualidade atual, cobrando as tarifas públicas vigentes, já precisa de novas fontes.

O município de São Paulo é o único grande aglomerado que tem conseguido manter um subsídio elevado para seu sistema de ônibus. Graças a isso, o sistema de integração do Bilhete Único das linhas municipais e do sistema metropolitano do estado tem sido possível, além da rede noturna de ônibus e as gratuidades.

Esse sistema de transporte metropolitano que interliga municípios vizinhos e a capital paulista é um dos maiores do mundo —e certamente um dos melhores exemplos do país nessa escala.

O custo adicional para a cidade será muito maior do que o que falta para cobrir o custo atual. Sem pagamento de tarifa, a demanda irá crescer muito, não apenas pela realização maior de viagens reprimidas que não são feitas hoje de forma motorizada, mas também pela transferência de passageiros que viajam em metrô, trens e ônibus do estado. Seria o colapso do sistema, atualmente um dos mais integrados do país —como se retirássemos uma carta da base do castelo.

Portanto, uma cuidadosa e difícil reconstrução das relações entre os sistemas de transporte teria que preceder essa gratuidade, que dificilmente seria possível sem medidas semelhantes pelos demais municípios da região, que arcariam com as consequências da da decisão tomada pela capital. Se hoje já é difícil operacionalizar uma região metropolitana em que existe pouca coordenação de planos e ações, imagino como ficaria nesse caso.

Quando não temos garantias para a alimentação ou moradia de todos, mesmo sem ser de graça, além da falta de creches e recursos para saúde e educação, é difícil aceitar que o não pagamento do transporte público seja prioridade em São Paulo. Ainda mais de forma atabalhoada e unilateral, sem planejamento e organização de suas consequências e a combinação com os outros participantes.

Também desconfio que esse modelo com tarifa zero leve a um transporte público municipal por ônibus estagnado em um nível insatisfatório, mas perdoado por sua gratuidade. A mobilidade não é importante apenas para sair de um ponto e chegar a outro, é a força motriz que orienta o desenvolvimento do uso do solo para uma cidade melhor.

Não, o Brasil não merece meia solução, tampouco a Grande São Paulo. Precisamos que todos, municípios, estados e União, avancem juntos em busca de soluções nacionais sólidas, pensadas e duradouras, que sejam exequíveis para o país todo e que resultem em tarifas baixas sim, mas com garantia da qualidade do serviço que será prestado.

As boas intenções não são suficientes: é preciso que sejam realizadas da forma e na hora certa —e que sejam a melhor alternativa.

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