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Walfrido Warde e Rodrigo Bittencourt

O fura poço e o fura caixa

Petrobras toma empréstimos para pagar dividendos

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Walfrido Warde e Rodrigo Bittencourt

Advogados

No passado, um presidente da Câmara dos Deputados quis indicar para a diretoria da Petrobras um político que "fura poço". Nos dias de hoje, a companhia toma medidas que furam o próprio caixa.

A política de preços da Petrobras baseada na paridade com o mercado externo era controversa, mas recebia aplausos do mercado. Foi abandonada em junho a fim de conter a disparada dos preços dos combustíveis, provocada pela guerra na Ucrânia, e para não prejudicar os planos de reeleição do presidente da República.

Edifício-sede da Petrobras, no Rio de Janeiro - Sérgio Moraes - 16.out.19/Reuters

Finda a eleição, a empresa decidiu distribuir R$ 43,7 bilhões em dividendos. Ora, o crescimento dos lucros da Petrobras neste exercício guarda relação com o aumento significativo do preço do petróleo negociado na Bolsa de Valores de Londres, o chamado Brent. É uma situação extraordinária, que, segundo todas as estimativas, não deverá se repetir a curto e médio prazos.

Bem por isso, é errado que a administração da companhia se escore nele para aventar perspectivas e calibrar a relação entre política de dividendos e política de investimentos. Essa inadequação se torna ainda mais evidente se considerarmos que, no último trimestre, a Petrobras experimentou uma diminuição de sua lucratividade e um aumento de seu endividamento.

Não é só. A companhia pretende pagar dividendos de R$ 3,35 por ação. Desses, R$ 2,44 decorrem da fórmula prevista na Política de Dividendos. O outro R$ 0,91 por ação se refere ao dividendo extraordinário.

Embora pareça excessivo e questionável, o pagamento do valor de R$ 2,44 pode ser justificado porque a Política de Dividendos foi aprovada pelo Conselho de Administração da Petrobras. Mas não há qualquer fundamento que justifique o pagamento de dividendos extraordinários no valor de R$ 0,91 por ação. Ainda mais se considerarmos que, como já explicamos, o lucro da empresa neste exercício é excepcional e decorre de um fator exógeno e aleatório —o salto do preço do Brent.

Na verdade, existe uma fórmula consagrada para cálculo de dividendos. Ela é conhecida pelo acrônimo FCFE, ou "Free Cash Flow to Equity" ("fluxo de caixa do acionista", numa tradução livre). Com base nos resultados da Petrobras no terceiro trimestre deste ano, seria possível projetar uma distribuição de dividendos de R$ 8,9 bilhões —bem distante dos R$ 43,7 bilhões prometidos pela estatal.

O crescente endividamento da Petrobras também contraria a decisão de presentear os acionistas. Só no terceiro trimestre de 2022, a petroleira emitiu R$ 3 bilhões em notas comerciais e contratou US$ 1,25 bilhão em empréstimos. O valor dos dividendos a serem distribuídos supera em muito essas cifras.

É preciso ser muito criativo para encontrar uma situação na qual faça sentido tomar empréstimos a fim de pagar dividendos a acionistas. A Petrobras não foi criada com esse intuito. Nenhuma empresa estatal jamais foi, nem no Brasil nem no mundo.

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