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Bernardo Braga Pasqualette

30 anos sem Daniella Perez

Exemplo ético e de integridade, atriz sobrevive ao tempo

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Bernardo Braga Pasqualette

Advogado e jornalista, é autor de "Daniella Perez - Biografia, Crime e Justiça" (ed. Record)

Agosto, 1992. Enquanto no Brasil emergia o movimento "caras-pintadas", que culminaria na queda do primeiro presidente eleito após a ditadura militar, na televisão estreava a novela "De Corpo e Alma", assinada por Gloria Perez. Em meio a artistas consagrados e ao sucesso da própria mãe estava Daniella Perez, cujo sobrenome involuntariamente revelava suas origens.

Bailarina por vocação e engatando sua terceira telenovela, a atriz se via diante de um enorme desafio: vencer a desconfiança da crítica acerca de seu talento cênico. Dando vida à sensual Yasmin, personagem tipicamente suburbana que gerou forte identificação no público, Daniella arrebatou a audiência.

À suspicácia se somava certa dose de preconceito —o crescimento de sua popularidade veio acompanhado da maledicência de setores da mídia, que atribuíam seu êxito à influência materna. Guilherme de Pádua, colega de elenco e futuro algoz da jovem estrela, também pensava assim. Mesmo após o crime, nunca negou que se aproximara da atriz por interesse.

Instada pelo colega de cena a intervir junto à autora da trama em seu favor, Daniella recusou-se a fazê-lo. Em sua última entrevista, a atriz deixou claro seu modo de ver as coisas: "Não tenho de escolher o caminho do meu personagem. É até um recado que eu dou para quem reclama. Não é função do ator decidir o rumo do personagem". Sua posição pública estava demarcada. Fazia seu trabalho com seriedade, educação e, principalmente, ética.

Não iria mudar.

Vítima de feminicídio, a atriz pagou com a própria vida por seu sucesso e, não menos importante, por seu comportamento ético. Desse sombrio panorama emerge um fato que passou quase que despercebido até hoje: diante do intenso assédio para que agisse de maneira indigna, Daniella jamais esmoreceu. Pelo contrário. Manteve-se íntegra até o último suspiro.

Há exatos 30 anos —na fatídica última segunda-feira de 1992—, o Brasil ficaria marcado por dois fatos dotados de um profundo simbolismo: o impeachment de Fernando Collor e o assassinato de Daniella Perez. Antenada ao seu tempo, a atriz revelara-se esperançosa e, ao mesmo tempo, preocupada com o futuro do país: "Devemos atacar a raiz da crise para que não ocorram outras iguais daqui a um tempo. Se vivo no Brasil é porque ainda tenho alguma esperança".

Desafortunadamente, Daniella não pôde viver para ver um Brasil melhor.

Em um ano marcado por escândalos de corrupção e pelo protagonismo da juventude, uma jovem mulher foi vitimada justamente por não se permitir claudicar, negando-se sequer a cogitar a possibilidade de prejudicar seus colegas em favor de quem quer que fosse. A atriz não cedeu um centímetro naquilo que entendia ser a coisa certa a se fazer. Seu exemplo sobrevive ao tempo.

Daniella vive.

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