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Programa contra o populismo requer regras melhores e menos voluntarismo

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Fachada do Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo federal, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

O período de Jair Bolsonaro (PL) na Presidência da República deixou lições importantes sobre a governança política brasileira. Ela se mostrou forte o suficiente para impedir as investidas autoritárias do mandatário, embora tenha revelado fragilidades pontuais que, a partir de agora, deveriam ser objeto de aperfeiçoamento e reformas.

Como o populismo prospera onde há rarefação institucional e baixa adesão às regras pactuadas, o seu antídoto passa por reforçar essas cartilagens, que tornam as ações dos agentes públicos mais previsíveis, porque menos dependentes dos caprichos, das idiossincrasias e da sanidade mental dos que exercem funções de Estado.

Restringir a latitude de escolhas do chefe do governo sem destituí-lo dos recursos necessários para levar adiante a agenda vencedora nas eleições é uma fórmula clássica pela qual as democracias presidencialistas se desenvolvem.

A Lei das Estatais se encaixa nessa categoria ao impor requisitos mínimos para a nomeação de gestores em companhias controladas pelo governo. Espera-se, portanto, que o Senado neutralize a tentativa da Câmara dos Deputados de sepultar o espírito dessa legislação.

Não basta, entretanto, preservar o que já existe. Ficou patente na passagem de Bolsonaro pelo poder a incompatibilidade das carreiras militares com o caráter eminentemente civil da administração.

A integrantes ativos das Forças Armadas, a lei deveria permitir a ocupação apenas dos postos de livre provimento no Executivo afins com atividades militares. Todos os demais, a imensa maioria, precisam tornar-se exclusivos de civis.

Implantar formalmente a lista tríplice, mediante consulta a todas as carreiras do Ministério Público da União, para a indicação pelo presidente do procurador-geral da República reforçaria essa linha de modulação do poder pessoal do mandatário, dificultando a cooptação do servidor incumbido de fiscalizar o chefe de Estado —e o mau exemplo de Augusto Aras.

A prerrogativa personalíssima do presidente da Câmara dos Deputados de fazer tramitar se e quando quiser pedidos de impeachment também deveria constar do programa de reformas normativas. Submeter a ação e a inação do chefe da Casa nesse tema ao crivo do plenário desponta como um caminho óbvio a trilhar.

Alterações constitucionais realizadas pelo Congresso na velocidade da luz enfraquecem a confiança no documento fundamental da democracia. Desprezado em 2022 por essas manobras legislativas expeditas, o zelo com o regime de arrecadação e gastos federais precisa ser recuperado depressa dentro do programa de fortalecimento institucional.

As PECs Kamikaze e da Gastança desfecharam aquela que, espera-se, seja a última saraivada nas expectativas de reequilíbrio fiscal do Brasil. O próximo passo do novo governo deve ser restabelecer a confiança nas contas do Tesouro.

Para que esse tema de suma importância para a sociedade e a economia não fique à mercê do humor de ministros e mandatários de ocasião, a receita é estabelecer urgentemente uma nova norma permanente de controle de despesas.

Em paralelo, uma reforma que reduza a incerteza e o acúmulo de passivos empresariais gigantescos que inibe investimentos dará uma contribuição decisiva à estabilização do ambiente institucional e ao desenvolvimento econômico. O novo desenho deve tornar mais eficiente, equânime e simplificada a incidência dos impostos.

Também o Supremo Tribunal Federal, malgrado ter sido o ator que mais diretamente se antepôs à cavalgada autoritária do bolsonarismo, exibiu alguns desajustes em relação ao que seria a sua atuação precípua. A própria corte, em decisão recente e acertada, tentou combater um deles —o poder individual excessivo dos ministros em detrimento do colegiado.

Na esteira da revisão de procedimentos da corte e da conduta de seus integrantes, a intromissão em assuntos típicos da disputa político-parlamentar deveria ser evitada. O mesmo vale para o cerceamento da expressão que não represente ameaça evidente ao Estado de Direito e para o hábito de dar declarações fora dos autos judiciais.

Entende-se, é fato, que o comportamento anômalo no Palácio do Planalto de um adversário da Constituição de 1988 —e das mediações democráticas em geral— tenha, até certo ponto, prejudicado o exercício equilibrado das funções de Estado e dificultado a desejável prevalência das regras sobre a vontade dos agentes.

Esse fator, no entanto, desaparece a partir deste domingo (1º), como outros pretextos para não fazer progredir com firmeza a agenda antipopulista de adensamento das instituições governamentais.

editoriais@grupofolha.com

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