A relação do ser humano com a tecnologia é complexa. Ao mesmo tempo em que as inovações geram riqueza e melhores condições de vida para mais pessoas, elas trazem perdas e exclusão. Para Joseph Schumpeter, em "Capitalismo, Socialismo e Democracia" (1942), a busca das empresas por maiores ganhos faz com que elas inovem —trata-se da dinâmica do avanço capitalista, que forma vencedores e perdedores continuamente ("destruição criativa").
Mas há outra camada nessa relação, que é a do ser humano com o trabalho e o ócio.
Trabalho vem do latim "tripalium", instrumento de tortura aplicado a escravos nas sociedades grega e romana. Trabalho era um valor negativo; e ócio, apanágio das elites, positivo. É recente (calvinismo, século 16) sua valoração positiva: a disciplina religiosa seria a principal engrenagem econômica, segundo Max Weber ("A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", de 1904).
O marxismo valoriza o trabalho por forjar a classe revolucionária, mas o condena por ser o instrumento de dominação dos trabalhadores. Em "A Ideologia Alemã" (1847), Marx e Engels propugnam que o comunismo extinguiria o trabalho e, assim, libertaria o ser humano, que poderia caçar, pescar ou ser crítico de arte quando quisesse. Daí vêm "O Direito à Preguiça" (1880), de Paul Lafargue, para quem os avanços mecânicos diminuiriam a jornada, e "O Ócio Criativo" (2000), de Domenico De Masi, que vislumbra a combinação ótima entre trabalho, estudos e lazer propiciada pela tecnologia.
Mas, diferentemente, frente a grandes inovações, como nas Revoluções Industriais, os trabalhadores reagiram mal, justamente pela perda de trabalho e renda. São famosos movimentos como o ludismo, quando operários ingleses quebravam os novos maquinários na 1ª Revolução Industrial. Há até quem ache que a palavra "sabotagem" decorra de tamancos ("sabots"), que trabalhadores atiravam contra as máquinas.
Eles não queriam o ócio, como nas utopias citadas. Porque ócio significava desemprego, miséria e morte. Lutavam pelo trabalho.
Hoje, a complexidade dessas relações se mantém. Todos parecem estar integrados e desfrutando das novas tecnologias. Mas não. A hiperconectividade, além de exclusão econômica (como em todos os momentos de transformação), produz exclusão digital, que agrava aquela. Ela advém da diferenciação de acesso a equipamentos e programas e do desnível de treinamento para a utilização das ferramentas.
Esse desnível, além da renda, tem um componente geracional e educacional. Há grupos com habilidades "antigas" (os destruídos, ou perdedores), misturados aos hipertreinados (os criadores, ou vencedores), mas tratados todos como "clientes" proficientes em redes e aplicativos.
Tudo é oferecido na linguagem informacional, sejam serviços públicos, sejam bens privados —e ela é requisito para qualquer emprego. Há uma grande facilidade nisso, mas ergue-se uma barreira, para muitos grupos, para atender seus desejos e necessidades. Não é uma situação irrelevante, ainda mais conjugada à desigualdade econômica e social —o que, no limite, gera empregos e ócios ótimos para alguns e desempregos e ócios letais para outros.
Mas ainda não se veem excluídos digitais quebrando smartphones com tamancadas. Embora, confesse, às vezes dê vontade.
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