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Felipe Delfini Caetano Fidalgo

O diabo dos números

É preciso desenvolver uma 'alfabetização matemática' com as nossas crianças

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Felipe Delfini Caetano Fidalgo

Doutor em matemática aplicada (Unicamp), é professor do Departamento de Matemática da UFSC em Blumenau

Faleceu em Munique, em 24 de novembro de 2022, o poeta alemão Hans Magnus Enzensberger, autor do belíssimo livro ilustrado cujo nome dá título a este artigo. Na obra, o garoto Robert sofre de ansiedade matemática de tal modo que chega a sonhar com tais problemas. E é neste cenário onírico em que ele é interpelado por uma criatura que se autointitula "o diabo dos números", o qual passa a ensiná-lo todas as noites sobre esse tema.

Sem dar mais spoilers sobre a trama, que vale a pena ser lida por crianças e adultos, li nesta Folha a reportagem "Só 5% dos jovens terminam ensino médio com aprendizado adequado em matemática" (30/11/22) e cheguei à seguinte encruzilhada: ou se muda as políticas públicas sobre o tema ou se contrata o "cramunhão" para cumprir a nossa tarefa de ensinar essa arte.

Alunos em escola estadual na zona leste de São Paulo - Zanone Fraissat - 18.out.21/Folhapress - Folhapress

Ironias à parte, como docente de um curso de licenciatura em matemática e coordenador local do Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional (Profmat), tenho acompanhado as discussões sobre o assunto no âmbito de formulações de políticas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e pelo MEC —e, também, participado dos debates nos foros de discussão sobre formação de professores.

O que se depreende é que, independentemente dos esforços já realizados, os dados são reiteradamente desanimadores e desafiadores. Temos formado bons professores, e está vigente uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) com foco nas competências e habilidades mais diversas e interdisciplinares, mas ainda assim não tem sido o suficiente para alcançarmos resultados minimamente satisfatórios.

Na reportagem, li com farta satisfação as opiniões da minha colega professora Kátia Smole (diretora do Instituto Reúna e doutora na área de ensino de ciências e matemática) e acredito que convergimos no diagnóstico: a causa dessa patologia está no primeiro ciclo do ensino fundamental. Meu desejo neste artigo é o de fomentar a continuidade do debate aberto e franco sobre um tema tão importante.

Portanto, lanço uma proposta para a discussão, que é a de que devemos contratar professores licenciados em matemática para ensinar desde os primeiros anos, em vez de delegar tal tarefa aos profissionais de pedagogia —que têm feito seu trabalho com muito esmero, mas que possuem lacunas na formação que não serão sanadas com simples cursos de formação continuada.

A matemática é mais do que simplesmente somar, subtrair, multiplicar e dividir: ela é uma linguagem. E, como toda linguagem, possui lógica, organização e pensamento próprios, de modo que é preciso desenvolver uma "alfabetização matemática" com as nossas crianças em paralelo à alfabetização propriamente dita. Há que se ensinar uma criança a pensar matematicamente e usar com isso a infinita criatividade que somente se possui nesta fase da vida. Tenho absoluta certeza de que os egressos de nossos cursos de licenciatura em matemática farão esse trabalho com muito amor, dedicação, humanidade, qualidade e profissionalismo. Viva Hans Magnus!

TENDÊNCIAS / DEBATES
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