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Zélia Luiza Pierdoná

A reforma da Previdência deve ser revista? NÃO

Remédio amargo garante sustentabilidade e universalização da proteção social

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Zélia Luiza Pierdoná

Procuradora da República e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é especialista em direito previdenciário

A reforma da Previdência não deve ser revista —ao contrário, deve ser defendida, seja pensando no passado (correção e adequação dos plano previdenciários desenhados a partir da Constituição de 1988), seja pensando no futuro (garantir a sustentabilidade da proteção previdenciária, não apenas para os atuais beneficiários como também para as futuras gerações).

Ademais, a reforma contribui para que o Estado brasileiro consiga saldar seu débito social para com as populações mais vulneráveis, por meio da efetivação e potencialização dos outros direitos de seguridade social (assistência social e saúde).

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Fachada do prédio do INSS em Brasília - Antonio Molina/Folhapress - Folhapress

A proteção previdenciária é destinada ao trabalhador e seus dependentes. Estrutura-se na forma de "seguro social". Sua lógica é a concessão da proteção futura de um benefício ao trabalhador que não possui mais capacidade laboral. A efetivação da proteção e o seu valor dependem do quanto de contribuição foi cotizada para o sistema.

No Brasil, os planos previdenciários desenhados a partir da Constituição de 1988 não se atentaram para a referida premissa, fazendo com que o reconhecimento de direitos não observasse integralmente a natureza securitária da proteção, impondo a toda sociedade a complementação de seu financiamento.

O presidente Lula (PT) e o ministro da Previdência, Carlos Lupi, que quer criar comissão para discutir a reforma da Previdência - Ricardo Stuckert/Divulgaçao

Apenas para dimensionar o problema, em 2021, segundo o Relatório Resumido de Execução Orçamentária do governo federal, a receita das contribuições previdenciárias totalizou R$ 410 bilhões (cotizações pagas pelos trabalhadores e por quem os remuneram), enquanto os benefícios do regime geral totalizaram R$ 684 bilhões (sem mencionar os regimes dos servidores públicos civis e militares). Assim, a diferença foi suportada por toda a sociedade por meio das outras contribuições de seguridade social, as quais devem também financiar os outros dois subsistemas de seguridade social (assistência e saúde).

Além disso, a proteção previdenciária deve se ater aos fenômenos e alterações da realidade social, o que implica necessariamente dizer que ela deve ser mutável na mesma proporção. Essa conexão entre realidade e proteção social deve ser perseguida pensando tanto no presente como no futuro, já que um dos pilares da proteção previdenciária é a solidariedade intergeracional entre trabalhadores. A reformatação que a sociedade vem experimentando nas últimas décadas (aumento do tempo de vida, envelhecimento da população, diminuição da taxa de natalidade, aumento nos cuidados de saúde, diminuição da população ativa, mudanças na configuração do mercado de trabalho, transição tecnológica, economia digital, proteção de imigrantes e refugiados e novos riscos sociais, como as pandemias), por si só, já demonstram a necessidade de alterações, como têm destacado os organismos internacionais, a exemplo da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Nesse contexto, as escolhas políticas sobre alterar ou não o desenho da proteção previdenciária são maiores ou menores a partir das causas que as motivam. Pelos números da crise financeira da Previdência Social, com déficit contínuo e crescente, não apenas foi como continua sendo necessário e justificável o seu redesenho, mediante as reformas constitucionais e infraconstitucionais, visando garantir a sustentabilidade da Previdência à luz da responsabilidade intra e intergeracional e de todo o sistema de seguridade social.

Por fim, a efetiva proteção social pressupõe a atuação conjugada entre direitos previdenciários e assistenciais. Entretanto, apesar da extrema desigualdade existente no Brasil, a discussão é seletiva e restrita à Previdência, delegando-se a um segundo plano os direitos assistenciais, genuinamente distributivos, já que destinados aos mais vulneráveis.

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