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Alexandre Schwartsman

Pios

Banco Central criticou, sim, a política fiscal ao longo do governo Bolsonaro

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Alexandre Schwartsman

Doutor em economia (Universidade da Califórnia, Berkeley), é ex-diretor do Banco Central

Em sua coluna nesta Folha ("Os extremistas do mercado", 11/2), Cristina Serra ecoa a fala da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ao afirmar que "o mercado e o BC de ‘Bob Neto’ não deram um pio sobre a farra fiscal de Bolsonaro", em contraste com o ocorrido nas últimas semanas.

Isso não é verdade. Documentei, a partir de outubro de 2021, próximo à aprovação da chamada PEC dos Precatórios, que permitiu expansão considerável do gasto público em 2022, as manifestações do Banco Central criticando a política fiscal do governo Jair Bolsonaro (PL). Interessados podem achar os trechos das atas do Copom aqui (shorturl.at/gpR56), mas, se preferirem, a própria Folha cuidou de fazer o que nem a jornalista nem a presidente do PT se deram ao trabalho: qual seja, procurar nos documentos oficiais do BC seus comentários relativos à "farra fiscal" (shorturl.at/ijvMY).

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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em fevereiro de 2021 - Raul Spinassé - 24.fev.21/Folhapress

Não faltaram críticas, tipicamente alertando que o afrouxamento no controle do gasto teria consequências negativas sobre inflação e juros. Diga-se de passagem, aliás, o BC elevou a taxa de juros nada menos do que cinco vezes em 2022, de 7,75% para 13,75% ao ano, medida que dificilmente ajudaria as chances eleitorais do ex-presidente. Tal postura contrasta dramaticamente com a adotada pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes, que alegremente subscreveu o aumento de gastos resultante da dita PEC Kamikaze, apesar do discurso de austeridade.

Da mesma forma, a reação dos mercados à piora do risco fiscal foi de livro-texto: juros futuros subiram, assim como o dólar, e a Bolsa caiu, fenômenos também devidamente registrados tanto por este jornal (shorturl.at/beLS7), como por outros meios de comunicação (https://rb.gy/vx6ioc).

Nada que seja estranho a quem conhece o tema: o aumento do gasto público pressiona a demanda, portanto a inflação, requerendo juros mais altos para atingir a meta. No caso de países que apresentam dificuldades em controlar de maneira sustentável seu endividamento, a inflação também pode se elevar como forma de corroer o valor da dívida, de maneira similar ao observado em 2021 e, em menor grau, em 2022. O resultado deste jogo é conhecido: fuga de capitais (dólar alto), juro em elevação e perda de valor das empresas.

O comportamento dos preços dos ativos independe, portanto, das preferências políticas dos operadores de mercado. Vários idolatravam Paulo Guedes, mas venderam (ações e títulos) e compraram (dólar) sem dó todas as vezes em que a política econômica apontou para piora do desempenho das contas públicas.

Da mesma forma, podem detestar o presidente Lula (PT) até o limite das suas forças, mas em hipótese alguma rasgarão dinheiro caso a política econômica lhes dê qualquer razão para acreditar que os preços de ativos irão melhorar.

Entender as motivações, seja dos operadores de mercado (ganhar dinheiro), seja do BC (trazer a inflação para a meta) é requisito essencial para compreender suas ações. Mais necessário ainda, contudo, é checar se os fatos alegados realmente ocorreram —ou se são apenas frutos da imaginação (e da conveniência) dos políticos de estimação.

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