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O que a Folha pensa ataque à democracia

Um mês depois

Apenas começou o trabalho de investigar os responsáveis pelo ataque em Brasília

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Estátua da Justiça em frente ao STF, vandalizada no dia 08 de janeiro, é lavada por agente de limpeza - Gabriela Biló/Folhapress

Lá se vão mais de 30 dias desde que um punhado de idiotas marchou sobre Brasília, atravessou a Esplanada dos Ministérios e invadiu o Congresso, o Planalto e o Supremo Tribunal Federal.

A passagem do tempo realça o quanto havia de patético e grotesco na tentativa de atacar um governo eleito legitimamente, mas não reduz em uma nesga a torpeza e a gravidade da conduta criminosa.

Seus perpetradores, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), miraram nada menos que a democracia brasileira —e ela saiu incólume. Atingiram, contudo, as sedes dos três Poderes, que sofreram danos proporcionais à estupidez dos celerados.

É conhecido o rastro de destruição deixado naquele 8 de janeiro. Vidros estilhaçados, móveis destroçados, computadores danificados e paredes vandalizadas, além de importantes obras de arte retalhadas, numa demonstração pungente da falta de apreço desses facínoras pela cultura nacional.

Só no Supremo, onde a invasão durou pouco mais de uma hora, 576 objetos sofreram avarias em diferentes graus. Nos demais prédios, estima-se prejuízo de ao menos R$ 6 milhões.

A violência justificou atuação enérgica dos órgãos de Estado. A Advocacia-Geral da União, por exemplo, requereu o bloqueio judicial do patrimônio de 134 pessoas, 5 empresas e 2 entidades suspeitas. A cifra monta a R$ 20,7 milhões.

Em outra frente, 1.420 manifestantes foram detidos em flagrante, numa reação necessária para interromper a prática dos crimes, desestimular sua repetição e garantir o início dos inquéritos policiais.

Estranha, entretanto, que 916 ainda estejam em prisão preventiva, medida em tese excepcional que, quando se alonga, converte-se numa antecipação indevida da pena —um drible nos direitos constitucionais ao devido processo legal e à presunção de inocência.

Por mais que se trate de triste distorção da Justiça brasileira, toda autoridade judicial deveria se empenhar em evitar sua reprodução.

Este caso, em particular, seria didático: mesmo detratores da democracia recebem como resposta o Estado de Direito, com ampla oportunidade de se defenderem antes de conhecerem a sentença.

Não que a prisão preventiva deva ser descartada. Decerto há um núcleo de golpistas mais perigosos que precisam ficar longe das ruas. São os principais financiadores, os reincidentes, os violentos. E, claro, os líderes.

Nenhum esforço restará completo se os responsáveis por organizar e açular a malta permanecerem a salvo do máximo rigor legal. O mesmo se diga de autoridades que, instaladas em cargos públicos, cruzaram os braços.

A desídia das forças de segurança é indesculpável. Foi preciso que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decretasse intervenção no Distrito Federal para que a turba golpista encontrasse resistência efetiva.

No DF, o governador Ibaneis Rocha (MDB) foi afastado, e o ex-secretário de Segurança Pública Anderson Torres, preso, em decisões draconianas do Supremo.

A omissão de ambos durante o 8 de janeiro precisa ser investigada, mas não conta toda a história. Na casa de Torres, a Polícia Federal encontrou, pasme, a minuta de um decreto que autorizaria Bolsonaro a instaurar estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral, a fim de reverter o resultado da eleição presidencial de 2022.

Há ainda outros omissos camuflados com as fardas militares. O Exército, responsável pela segurança do Palácio do Planalto, deixou de proteger um prédio que fica sob sua custódia.

Não surpreende que, passado o alvoroço, Lula tenha demitido o comandante da Força. Mas isso não resolve o imbróglio. É crucial que os membros da caserna adeptos do golpismo também sejam punidos nos termos da lei.

Que nada até o momento tenha respingado sobre eles depõe contra a seriedade das Forças Armadas, cuja reputação precisa ser preservada no país.

O avanço dos processos ainda precisará superar outros obstáculos. Um deles diz respeito à própria estrutura de julgamento. Não se sabe se o STF resolverá manter todos os casos debaixo de suas asas ou se mandará vários deles para a primeira instância.

Outro empecilho pode aparecer por culpa da Procuradoria-Geral da República. Após anos de inação, o chefe do órgão, Augusto Aras, resolveu mostrar serviço e acelerou as denúncias —porém investigadores da PF consideram que a pressa veio a custo da perfeição, com acusações frágeis.

Todavia a Justiça saberá resolver impasses e sanar abusos. Punir todos os responsáveis pela truculência antidemocrática é a melhor forma de desestimular a repetição desse capítulo vergonhoso da história brasileira.

editoriais@grupofolha.com

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