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Fernando Augusto Fernandes e Lenio Streck

Crimes cometidos por agentes das Forças Armadas devem ser julgados pela Justiça Militar? NÃO

Avanço democrático não ocorrerá se os militares mantiverem privilégios

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Fernando Augusto Fernandes

Advogado, doutor em ciências políticas (UFF) e mestre em criminologia e direito penal (Ucam) é autor de “Geopolítica da Intervenção” (Geração Editorial)

Lenio Streck

Advogado, jurista e professor, é autor de “Jurisdição Constitucional” (ed. Forense), entre outros

O Estado moderno se firmou com a separação da igreja. A República não permite privilégios de tribunais. O foro especial militar deve ser restrito.

O Brasil parece refém dos reflexos de golpes militares. Talvez por isso fiquemos "cheios de dedos" até para falar sobre "julgamento de militares". Como a polêmica —patética— de precisar de uma emenda constitucional para dizer o óbvio do óbvio sobre o art. 142 da Constituição.

Com o envolvimento de militares nos atos golpistas recentes, o assunto volta à pauta com julgamento no Supremo Tribunal Federal da inconstitucionalidade da alteração no Código Militar feita no governo Michel Temer (MDB). O ponto: crimes cometidos por militares contra civis durante GLO (Garantia da Lei e da Ordem) são de competência da Justiça Militar?

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Exército em operação no Rio de Janeiro, em 2018 - Ricardo Borges - 27.mar.2018/Folhapress - Folhapress

No STF, contra dois, há cinco votos dizendo que "sim". Discordamos. E vamos mais adiante: os militares envolvidos nos atos golpistas. Quem deve julgá-los?

A Constituição reserva à Justiça castrense crimes militares definidos em lei. Em 1996, incluiu-se no Código Penal Militar que crimes dolosos contra a vida de civis são de competência da Justiça comum.

O que está em julgamento no STF é a inconstitucionalidade da alteração de 2017, ampliando a competência da Justiça Militar em crimes contra civis nas exceções: 1 - "do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo presidente"; 2 - "de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar"; e 3 - "de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem...".

Cabe uma pergunta platitúdica: existe alguma situação na qual um militar não esteja em missões estabelecidas pelo presidente em tempo de paz? Parece que o objetivo das exceções é criar regra, imunidade dos militares frente à Justiça comum. Aqui parece que os cinco votos do STF se equivocam.

Porque focados em definir quando os militares estão em função militar e quando estão em função derivada da atividade civil. Com essa abordagem perde-se o âmago da competência. A lógica constitucional define a competência pelo bem jurídico ferido.

O art. 9º do Código Penal Militar prevê a possibilidade de um militar da reserva ou civil ser julgado pela Justiça castrense (art. 9º, III) quando o crime é contra o patrimônio militar ou contra o cargo militar.

O mesmo deve ocorrer quando o militar fere bens jurídicos além "interna corporis". Crimes de militares contra civis devem, portanto, ser julgados pela Justiça comum.

O julgamento do Supremo não esgota o assunto. Quanto aos crimes políticos —e os atos golpistas o são— há determinação do texto constitucional (art. 109, IV) de que são de competência da Justiça Federal, fazendo ressalva da Justiça Militar e Eleitoral. O recurso diretamente à Suprema Corte.

Não está sendo apreciado pelo Supremo o cometimento de crimes contra o Estado democrático de Direito (art. 359-L e M do Código Penal). Isso será visto em seguida.

Parece evidente que, se os militares servem ao poder civil, e quando cometerem crime contra civis ou contra as instituições democráticas, devem ser julgados pelas instituições civis. Ou a lógica se inverte submetendo os civis aos militares.

O avanço da redemocratização ocorrido na Argentina —e um bom exemplo disso é o filme "Argentina, 1985", que mostra civis julgando militares torturadores—, que o Brasil deixou de realizar, não será possível se os próprios se julgarem. Um completo nonsense.

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