Descrição de chapéu
Luiz Carlos Lemos Júnior

A nova regra fiscal e a armadilha dos juros

Há de se observar os valores pagos pelo governo ao sistema financeiro nacional

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Luiz Carlos Lemos Júnior

Doutor em administração, é professor e pró-reitor de Planejamento e Administração na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Muito se tem falado sobre endividamento do setor público e desequilíbrio fiscal. É preciso lembrar, porém, que o atual desequilíbrio das contas públicas se deve, em parte, à rigidez do teto de gastos que, ao estabelecer o congelamento de despesas primárias para um período de 20 anos, tornou impossível manter o padrão das atividades e programas existentes. Ou seja, o cobertor ficou curto.

Embora relevantes, as despesas primárias não devem ser a única preocupação do arcabouço fiscal. É preciso colocar uma lupa nos chamados serviços da Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi) —os juros pagos pelo governo ao sistema financeiro nacional. É nesse detalhe que reside um certo perigo.

Além de potencial para aumentar a dívida, os juros fazem crescer a necessidade de cortes em outros tipos de gasto público, sempre com o objetivo de preservar a capacidade de liquidação dos títulos emitidos pelo governo na captação de recursos.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante entrevista coletiva do anúncio do novo arcabouço fiscal do governo - Diogo Zacarias - 30.mar.23/Ministério da Fazenda

Ao analisarmos o perfil do estoque médio mensal da DPMFi nas últimas duas décadas, constataremos significativas alterações na composição da dívida em dois momentos. Em 2003, os títulos emitidos com remuneração baseada na taxa Selic representavam, em média, 67% do total da DPMFi, enquanto títulos remunerados por juros prefixados ou índices de preços compunham menos de 20% desse total. Naquele ano, iniciou-se um processo de revisão do modelo de endividamento.

Nos anos de 2014 e 2015, a composição da dívida pública apresentava uma mudança considerável, com os títulos remunerados pela Selic atingindo seu menor patamar: 20% e 22%, respectivamente. Nesse período, os títulos remunerados por juros prefixados ou por índices de preços representavam, juntos, quase 80% do total da dívida.

É a partir de 2016 (sim, mesmo ano em que é criado o teto de gastos) que o volume de títulos remunerados por Selic retoma uma trajetória de aumento, chegando a 28% do total da DPMFi. No encerramento de 2022, a dívida passou a ter uma composição média em torno de 40% dos títulos com remuneração por Selic, ao custo estratosférico de 13,75% ao ano. Aparentemente, a decisão de congelar despesas primárias tinha o objetivo de preparar caminho para essa reversão do modelo de endividamento.

O fato de utilizarmos a Selic como instrumento clássico de controle inflacionário e, ao mesmo tempo, como referência para remunerar os juros provenientes da dívida pública nos coloca em uma indiscutível armadilha. Mesmo mantendo as despesas primárias sob controle, uma composição de financiamento majoritariamente remunerada pela Selic acarretará maior necessidade de arrecadação e liquidez que, se não alcançadas, terminarão por retroalimentar a expansão da dívida e comprimir ainda mais as despesas primárias. Infelizmente, esse é um modelo de endividamento desarticulado e cruel demais para um país com tantas mazelas.

O novo arcabouço precisará aperfeiçoar mecanismos de contenção do crescimento da dívida, por si própria. É necessário detalhar se a totalidade do superávit primário gerado nos tempos de bonança arrecadatória será exclusivamente destinada ao reforço de investimentos ou se parte dela poderá abater a dívida.

Seja pelo impacto no endividamento, no desenvolvimento econômico ou no equilíbrio fiscal, o modelo de precificação da Selic utilizado pelo Copom, também, não pode mais prescindir do estabelecimento de limites macroeconômicos à sua flutuação como forma de mitigar erros e excessos na calibragem.

Por fim, para nos tirar desse terrível fosso de areia movediça e consolidar o tão sonhado equilíbrio fiscal, necessitaremos avançar em discussões que, adicionalmente, apontem parâmetros: à composição do financiamento público, à flutuação da taxa Selic e à destinação do superávit primário (investimento versus dívida).

De resto, a proposta de arcabouço fiscal apresentada é coerente e bem-vinda, justamente para desfazer os entraves impostos pelo falido teto de gastos ao desenvolvimento econômico do país e à capacidade do Estado enquanto promotor de justiça social.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.