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Marijane Vieira Lisboa

De novo, a boiada

Interesse do governo em minerar potássio é equívoco econômico e ambiental

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Marijane Vieira Lisboa

Professora do curso de ciências socioambientais e de história da PUC-SP, é membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental; ex-secretária de Qualidade Ambiental dos Assentamentos Humanos no Ministério do Meio Ambiente (2003-2005, governo Lula)

Recentemente, o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, e o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, bem como o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), o senador Omar Aziz (PSD-AM) e o deputado estadual Sinésio Campos, presidente do PT amazonense, manifestaram-se favoráveis à mineração de potássio em terras indígenas em razão da dificuldade que o Brasil enfrenta para importar o minério da Ucrânia diante da guerra deste país com a Rússia.

Em reforço, Alckmin invocou o alto PIB do município de Canaã dos Carajás (PA), onde se situa a maior mina de ferro do mundo. Além do fato de que há uma diferença sociologicamente enorme entre PIB alto e desenvolvimento social, Carajás tem aparecido nos jornais há anos como a região em que povos indígenas têm suas terras invadidas, corre solta a grilagem de terras públicas, agricultores familiares são expulsos a bala (vide o massacre de Eldorado), extensas regiões de castanhais e florestas são desmatadas para que passe a estrada de ferro Carajás, águas contaminadas, trabalho escravo, prostituição de crianças, tráfico de drogas.

Terminal de fertilizantes no porto de Santos - Moacyr Lopes Junior - 25.ago.2014/Folhapress - Folhapress

Enfim, se há um exemplo de como a mineração não compensa, é Carajás. Aliás, a história econômica tem uma interpretação bem diferente do papel da exploração de minérios e recursos não renováveis nas economias de países. Longe de trazer benefícios à coletividade, a exploração de minérios, embora possa gerar durante algum tempo riqueza para poucos, não a reparte, constituindo o que se costuma chamar de uma "economia de enclave", com graves impactos ambientais e sociais.

A economia dessas regiões descreve uma curva simples, elevando-se no início da exploração, atingindo um ápice e depois, à medida que o recurso se esgota, vai deixando um cenário de terra arrasada e um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) ainda mais deprimido do que antes do seu começo. Há, ainda, argumentos de ordem econômica contra a exploração do potássio, onde quer que ela ocorra, como esclareceu recentemente a geóloga Suzi Huff Theodoro, professora da UnB em vídeo do MAM.

A exploração de potássio é sempre muito cara, difícil e arriscada devido aos seus impactos socioambientais, enquanto a grande geodiversidade do país oferece outros recursos para fertilizantes minerais, como o pó de rocha. Vale dizer, por fim, que a grande demanda de fertilizantes e agrotóxicos requerida pelo agronegócio brasileiro é menos uma exigência técnica e mais uma consequência do modelo agrícola, baseado em monoculturas para produção e exportação de commodities. Será bom que o governo Lula ouça as ministras Marina Silva (Meio Ambiente) e Sonia Guajajara (Povos Indígenas) antes de tomar qualquer decisão a respeito.

Mas, por hora, o que deveria nos preocupar é que enquanto o país discute taxas de juros, autonomia do Banco Central, massacres em escolas e até o papel do Brasil como mediador da paz entre Ucrânia e Rússia, a mesma velha boiada está tentando passar desapercebida.

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