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Fábio Albergaria de Queiroz

Desafios contemporâneos na geopolítica do Magrebe

Ações empreendidas pelo Marrocos podem ser o prenúncio de um novo capítulo nas relações internacionais

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Fábio Albergaria de Queiroz

Doutor em relações internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), é professor de relações internacionais e geopolítica na Escola Superior de Defesa (ESD)

À semelhança de outras regiões do mundo marcadas por um histórico de fragilidades socioeconômicas endêmicas, conflitos étnicos e disputas territoriais persistentes, o Magrebe —que engloba Argélia, Líbia, Marrocos, Mauritânia e Tunísia— enfrenta longevos problemas estruturais que, dentre outras externalidades negativas, vem prejudicando a inserção competitiva desta porção da África nas cadeias produtivas internacionais.

Nesse cenário, o histórico de animosidades entre Marrocos e Argélia —dois países que são fundamentais para a construção de uma estabilidade regional estrutural— tem nas tensões em torno do Saara Ocidental, uma indesejada herança que remonta ao período colonial, um ponto extremamente sensível e com efeitos deletérios para todo o Magrebe.

Montagem com as bandeiras nacionais da Argélia (à esq) e de Marrocos - AFP - AFP

Logo, considerando a complexidade de um problema geopolítico que se arrasta por décadas, a proposta de autonomia para o Saara tal qual apresentada pelo Marrocos, em 2007, em detrimento à via de um referendo dissensual, é uma opção na mesa de negociações que, pragmaticamente, deveria ser considerada pelas partes envolvidas. Isso porque tal alternativa pode abrir espaço para uma solução que, no momento, parece ser a possível, e crível, para um desfecho satisfatório desse imbróglio. Ademais, o apoio recente de importantes países à proposta de autonomia reflete não apenas o desejo por respostas efetivas, mas, também, que a via de negociação adotada pela diplomacia de Rabat tem surtido os efeitos desejados.

Destaca-se, nesse sentido, o assentimento declarado pelos Estados Unidos à causa marroquina, em 2020, quando o país anunciou a criação de um consulado em Dakhla, nas províncias do sul. Tratou-se de decisão histórica, uma vez que representou mudança substantiva em um posicionamento que vinha sendo sustentado por Washington desde 1976. Até então, o país de maior vulto político a reconhecer o pleito marroquino havia sido os Emirados Árabes Unidos quando anunciaram a abertura de seu consulado em 4 de novembro.

Soma-se a esse quadro outra importante manifestação política, desta vez protagonizada pela Espanha, em 18 de março de 2022, denotando o novo posicionamento do país. Na ocasião, o presidente Pedro Sánchez reconheceu a importância do Saara para o Marrocos e defendeu a iniciativa de autonomia como a melhor opção para encerrar o entrevero. Isso é relevante por um motivo muito significativo: evidenciou-se que os laços entre Marrocos e Espanha não estavam circunscritos apenas à adjacência imposta pela geografia que os conecta, mas, também, pela construção de identidades nacionais que tem, reconhecidamente, no Saara, traço que liga os destinos dos dois países. Assim, à luz das evidências empíricas, tais fatos podem ser interpretados como um triunfo diplomático auferido por Rabat na medida em que, paralelamente, nessa intrincada disputa geopolítica, enfraquecem a posição argelina.

Em suma, se por um lado as evidências ainda sugerem que a superação de desconfianças que insistem em perdurar ainda é um desejo longínquo, por outro, um olhar amparado pelo pragmatismo circunstancial aponta que as ações empreendidas pelo Marrocos podem ser o prenúncio de um novo capítulo nas relações internacionais do Magrebe. Ou seja, com os conflitos que eventualmente surjam sendo resolvidos por meios próprios da engrenagem normativa derivada desse processo de governança. Isso, a seu turno, implicaria na consolidação de um jogo de soma positiva em que os ganhos podem ser mútuos e beneficiar a todos.

Por fim, nessa configuração ontológica, não podemos nos abster de lançar, ainda que brevemente, olhar sobre possíveis correlações entre nosso universo de análise e o Brasil. Isso porque, ao ratificar o Atlântico Sul e, mais especificamente, a costa ocidental africana no rol de seus interesses vitais, figura-lhe a opção de reconhecer que um Magrebe mais estável e integrado significa, em tese, menores riscos de que ameaças endógenas sejam transpostas para áreas consideradas prioritárias para os interesses nacionais.

E, para avançar-se para além da retórica nesse redesenho geoestratégico, o que os fatos amostrais vêm demonstrando é que a proposta de autonomia parece ser aquela que, objetivamente, se apresenta como a mais exequível —ainda que a consideráveis custos políticos— neste longo caminho rumo à estabilidade da porção norte da África que, materializada, tem grande potencial de traduzir-se em ganhos para o Brasil.

* As opiniões expressas neste artigo são de exclusiva responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, o posicionamento da Escola Superior de Defesa e/ou do Ministério da Defesa do Brasil

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