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Leandro Carlos Mazzei

Jogos eletrônicos devem ser considerados um esporte? NÃO

Prioridade do poder público é estimular e dar acesso à atividade esportiva

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Leandro Carlos Mazzei

Mestre em ciências do desporto e gestão esportiva (Universidade do Porto) e doutor em educação física (USP e Vrije Universiteit Brussel, Bélgica), é professor no curso de ciências do esporte na Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp

Allen Guttmann, norte-americano historiador do esporte, é extremamente citado pelo seguinte fato: em seus estudos ao longo do século 20, dissertou sobre "sete critérios" que definem o esporte moderno, comparando-o inclusive ao "esporte antigo" (gregos e romanos da Antiguidade). São eles: secularismo (algo que se refere à sociedade humana vigente); igualdade (todos têm o direito de praticar e competir); especialização (a prática esportiva requer capacidades e habilidades específicas de acordo com as modalidades); racionalização (busca por resultados relativos à prática esportiva e não para outros motivos, sejam religiosos, bélicos etc.); burocracia (regras e instituições); quantificação (tempo, distância, pontuação etc.); e busca por recordes.

Importante destacar que o esporte moderno foi forjado a partir de uma lógica da sociedade industrial do século 20. Vimos e ainda vemos nas diversas manifestações e competições esportivas um conjunto de ações cotidianas que envolvem concentração, centralização, especialização, estandardização, maximização e sincronização. São características de nossa sociedade moderna e envolvem percepção e debate complexos.

Evento competitivo de jogos eletrônicos, em Las Vegas (EUA) - Sam Wasson/AFP - AFP

Para diversos filósofos e sociólogos, estamos vivendo o início de uma era pós-moderna, marcada pelo rápido crescimento e disseminação da mídia de massa, novas tecnologias da informação, movimentos mais fluidos de pessoas entre fronteiras nacionais e surgimento de sociedades multiculturais, dentre outras características. Apesar de ainda controversa, a pós-modernidade tem também como característica o fato de ser um período em transição, identificando-se com vários aspectos (principalmente econômicos e sociais) da modernidade, mas com a presença significativa de pluralidade cultural e de comportamento social que dificilmente já existiu na ao longo da história humana.

Portanto, os esports (jogos eletrônicos) pertencem a essa pós-modernidade. Podemos classificá-los como algo novo: a virtualidade, as distâncias encurtadas pelas conexões, códigos e sequências eletrônicas que determinam o sucesso ou o fracasso da ação e, principalmente, uma organização fluida e a partir dos praticantes e envolvidos.

Então, de forma contextual, esports não são um esporte. Claro que, em muitos aspectos, teremos semelhanças, inclusive com a realização de competições promovidas por uma mesma organização. A Panam Sports, organização continental que realiza os Jogos Pan-Americanos, também é responsável pelo Campeonato Pan-Americano de Esports). Mas os esports e o esporte são mais diferentes do que semelhantes em seus contextos, pelos tipos de esportes e games, pelo modo de organização...

Além disso, um ponto fundamental desse debate envolve o papel do poder público. Penso que o orçamento do Ministério do Esporte é limitado para que se atenda a tudo e a todos. E, neste caso, deveria haver prioridades de investimento. Estando o esporte de rendimento amparado em legislações específicas, a prioridade seria o acesso à prática esportiva, no sentido de que ainda temos um número considerável de sedentários no país, escolas públicas sem instalações esportivas, uma população que carece de saúde e qualidade de vida em termos educacionais, fisiológicos e psicológicos.

Claro que o esporte e os esports podem trabalhar em conjunto, mas cada um tem suas prioridades e soluções cabíveis —sendo que, inclusive, já possuem seus próprios modus operandi organizacional. Não precisam e não precisamos deste conflito.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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