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Márcia Jacomini, Monica Ribeiro da Silva e Nora Krawczyk

Novo ensino médio: o que quer o MEC, afinal?

Filho de trabalhador deve ter educação que possibilite transgredir o destino

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A lei 13.415/17, conhecida como novo ensino médio (NEM), vem sendo criticada por diversos setores da sociedade. Há centenas de pesquisas, artigos, teses e notas técnicas que atestam os problemas relacionados à concepção e implementação do NEM. O problema do novo ensino médio é estrutural: ele é incompatível com a realidade educacional brasileira e não corresponde às necessidades e direitos educacionais da juventude.

O modelo precariza a formação básica científica e cultural e limita a perspectiva crítica da educação ao privilegiar o caráter utilitarista. Além de não resolver os já conhecidos problemas, está produzindo algo mais grave, que é o empobrecimento da formação da juventude com a diminuição das horas para formação geral básica de 2.400 para 1.800, excluindo disciplinas fundamentais, tais como biologia, física, filosofia, história, geografia, química, sociologia etc.

Estudantes protestam contra o novo ensino médio na avenida Paulista, em São Paulo - Bruno Santos - 15.mar.23/Folhapress - Folhapress

Cada estado organizou o NEM de um jeito. Hoje temos 27 "ensinos médios" no país. Tem rede estadual com um rol de mais de 200 disciplinas eletivas e sem professores formados para ministrá-las. Disciplinas como "Educação financeira: como se tornar milionário", "Como fazer brigadeiro gourmet" e "O que rola por aí" estão substituindo conhecimentos fundamentais à formação dos jovens.

Diante dessa realidade, fez-se necessária a suspensão do cronograma de implementação previsto na portaria 521/21. Medida acertada, pois a portaria 627, de 4 de abril de 2023, suspende o cronograma, sem implicações imediatas para as redes estaduais até que se defina os rumos futuros do ensino médio.

Os defensores do novo ensino médio têm alegado que não há o que colocar no lugar. Mas isso não é verdade. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação em 2012 e não implementadas, podem ser a base para um novo projeto de lei, amplamente discutido com as comunidades escolares e acadêmicas.

Dadas as profundas desigualdades sociais, educacionais e escolares que caracterizam o país, é imprescindível que se garanta a todos os estudantes o acesso a conhecimentos que permitam uma compreensão aprofundada da realidade em seu sentido histórico e contemporâneo, do mundo natural e social, sem perder de vista os objetos de estudo e as formas de produção de conhecimento que os compõem e lhes conferem identidade.

Apesar do pedido de revogação de estudantes, familiares, professores, pesquisadores e outros setores da sociedade, a posição do ministro da Educação, Camilo Santana, tem sido pela revisão de questões pontuais, o que não resolverá os problemas de fragmentação curricular e de desqualificação da formação dos jovens brasileiros.

Espera-se de um governo que encarnou anseios de uma mudança de rumos em relação ao combate à fome e à miséria que defenda a ciência e a educação, em contraposição ao negacionismo dos últimos anos, e assuma também a defesa do direito dos estudantes de se apropriarem de conhecimento científico fundamental ao desenvolvimento do país, à democracia e à inclusão social.

Entre o "velho" e o "novo" ensino médio, é mister que o MEC tenha coragem de enfrentar uma política conservadora que reforça uma visão dual e fragmentada do processo de conhecimento e, sob a justificativa de modernizar a educação, propõe uma política neoconservadora que faz o ensino médio regredir pelo menos meio século.

A escola de educação básica é lugar de socialização e apropriação de cultura, de conhecimentos científicos, de apreender e compreender a humanidade em sua historicidade e contemporaneidade. Não é lugar para aprender a fazer brigadeiro, de tripudiar a condição social dos estudantes com conteúdo sobre como se tornar milionário, tampouco sobre "o que rola por aí".

Por que o Ministério da Educação não ouve o clamor das ruas que pede conteúdo e conhecimentos significativos no lugar de itinerários desprovidos de sentido? De que lado estará o MEC nessa disputa de projetos societais?

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