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Marta Arretche e Sérgio Gobetti

A desigual batalha da reforma tributária

Benefícios futuros são imperceptíveis ao cidadão, que não se mobiliza

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Marta Arretche

Professora titular do Departamento de Ciência Política da USP e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM/Cebrap)

Sérgio Gobetti

Pesquisador e doutor em economia pela UnB

O cidadão brasileiro se sente sobretaxado. E é mesmo. Muitos estudos mostram que os mais pobres (a grande maioria) fazem um esforço contributivo muito maior que os mais ricos.

Não é por acaso que o principal argumento da oposição à reforma da tributação do consumo, prevendo fusão de tributos e maior uniformidade de alíquotas, é que a carga tributária vai aumentar. Ao escutar que seu plano de saúde e a escola de seus filhos vão ficar mais caros, o cidadão pouco informado entra em pânico. A oposição reedita o conhecido argumento do "pato da Fiesp": você, cidadão, sairá perdendo com essa reforma! O argumento é simples: o Estado brasileiro vai garfar sua renda mais uma vez.

Reforma altera distribuição da carga tributária entre setores e segmentos da população - Gabriel Cabral/Folhapress

Ocorre que o objetivo da reforma não é aumentar a carga, mas mudar sua distribuição (entre as pessoas e entre os municípios) e aumentar a produtividade da economia. Um exemplo: no sistema atual, o ISS (Imposto Sobre Serviços) é cobrado pelo município em que está a sede da empresa que presta serviço. Se um advogado defender um cliente de Mogi das Cruzes (SP), mas sua empresa tiver sede na capital paulista, o imposto sobre o serviço prestado será incluído nos honorários e cobrado do contribuinte da primeira cidade, mas será pago e gasto na segunda. O exemplo é paradigmático. O atual sistema de cobrança de ISS penaliza os municípios dormitórios das regiões metropolitanas (habitadas pelos mais pobres) e beneficia os municípios onde as empresas têm sede.

O município de São Gonçalo do Rio Abaixo (MG) tem uma arrecadação total de R$ 36 mil por habitante, e o município de São Gonçalo (RJ) arrecada apenas R$ 1.300 por habitante. A devoção ao mesmo santo não garante receita: a arrecadação total do primeiro é 27 vezes maior que a do segundo. Se considerarmos apenas a arrecadação de ISS/ICMS, o primo rico da dupla de devotos arrecada R$ 14,8 mil por habitante, ao passo que Araioses (MA) apenas R$ 74: uma diferença de 200 vezes.

As PECs 45 ou 110 pretendem mudar a cobrança dos impostos para o estado e o município onde o consumo é realizado, unindo a base tributária de mercadorias e serviços. Isso significa que as prefeituras terão sua competência tributária ampliada, o que possibilitará uma grande desconcentração de receitas públicas. Se assumirmos que os municípios brasileiros são uma população composta por 5.568 indivíduos, o coeficiente de Gini da receita per capita das cidades (que mede a desigualdade entre elas) cairia 22% com a reforma.

No Brasil, são os municípios que prestam os serviços essenciais à população: saúde, educação, transporte público, iluminação pública etc. Não tenha dúvida que diferenças de receita se convertem em diferenças na oferta de serviços públicos. Os municípios têm que gastar, por determinação constitucional, no mínimo 25% de suas receitas em educação e saúde. Se a diferença de receitas cair, também cairá a desigualdade na prestação de serviços. Por fim, os estudos indicam que os 90% mais pobres da população terão redução da carga tributária com o tratamento uniforme para mercadorias e serviços.

Qual é a principal dificuldade que os defensores da reforma enfrentam? Os benefícios futuros são imperceptíveis para o cidadão comum. O crescimento econômico que resultaria da harmonização dos impostos sobre o consumo não é visível ao eleitor. O fim da cumulatividade é uma abstração misteriosa para a maioria. A compreensão da importância dessas mudanças requer altos níveis de informação. O cidadão que reside em uma cidade-dormitório nem sequer sabe que será beneficiado.

A batalha política da reforma é muito desigual. Seus críticos podem adotar uma estratégia simples: a ameaça de custos imediatos e tangíveis que mobiliza o terror do cidadão. Aos defensores, cabe a custosa tarefa de convencer a população de que ganhos relevantes seriam colhidos, apesar de invisíveis e difusos.

Dessa invisibilidade decorre a dificuldade de formar uma coalizão de apoio. Quem tem a ganhar não sabe disso e não se mobiliza pela defesa dos benefícios que colherá.

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