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Guilherme Lichand e Daniel Barros

A diferença entre o nosso ensino médio e o de países desenvolvidos

Caminho passa por mais horas na escola com ensino técnico integrado

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Guilherme Lichand

Professor de educação da Universidade Stanford (EUA)

Daniel Barros

Mestre em administração pública (Universidade Columbia, EUA), é autor de “País Mal Educado – Por que se aprende tão pouco nas escolas brasileiras?” (ed. Record)

O debate sobre a reforma do ensino médio segue polarizado. Alguns querem sua revogação por ter criado uma infinidade de itinerários formativos, difíceis de implementar na prática, sobretudo nos municípios menores. Outros querem sua manutenção, com as revisões necessárias, por considerarem muito arriscado jogar fora os benefícios do modelo, que, além de mais horas, permite liberdade de escolha entre diferentes áreas, com a promessa de tornar essa etapa do ensino mais atraente para os jovens. Afinal, o que deveria ser inegociável para o formato que vai sair da discussão que o Ministério da Educação está liderando em conversa com os estados?

Nós acreditamos que é preciso maior atenção ao principal aspecto que diferencia nosso modelo de ensino médio daquele praticado pelos países desenvolvidos: a cobertura do ensino técnico integrado ao médio.

Estudante na escola estadual Padre Saboia de Medeiros, na zona sul de São Paulo - Bruno Santos - 12.ago.2022/Folhapress - Folhapress

Os sistemas educacionais mais bem-sucedidos do mundo, que têm as taxas mais baixas de evasão escolar, não têm, na verdade, enorme flexibilidade de escolha entre múltiplos itinerários. Eles primam pela oferta de poucas trilhas, sendo a principal distinção aquela entre o ensino regular e o ensino técnico integrado. França, Espanha, Portugal, Alemanha, Suíça, Finlândia, Israel, Nova Zelândia, Austrália e outros exemplos têm entre 40% e 70% dos seus estudantes de ensino médio cursando ensino técnico —os Estados Unidos são a exceção.

Antes da reforma, quem queria cursar ensino técnico no Brasil precisava fazer isso como um complemento ao ensino médio, tendo que acumular uma carga horária muito maior. Sem surpresa, os alunos do ensino técnico atual representam uma pequena fração do total de estudantes: 11%. E, quase sempre, são a elite da escola pública. Ou seja, quem mais precisa do ensino técnico não costuma ter acesso a ele.

O ensino médio que vigorar após a revisão da reforma precisa continuar a estimular que a educação profissional vá para dentro da escola regular. Como essas certificações variam de 800 horas —em títulos como administração e logística— a 1.200 horas —em cursos como desenvolvimento de sistemas e enfermagem—, isso implica que a expansão da formação geral básica (hoje em 1.800 horas) precisa ser pensada com cuidado para não condicionar o salto nas matrículas do técnico ao crescimento do ensino em tempo integral —que, mesmo sendo desejável, enfrenta uma série de outros desafios.

Ainda, a discussão precisa garantir que esses alunos não sejam penalizados no Enem por não terem feito um itinerário regular. Afinal, a escolha pela educação profissional não representa abrir mão do ensino superior. Se o técnico equipa o estudante que irá trabalhar após o ensino médio, permitindo que obtenha uma renda melhor, também pode ajudar a contextualizar os conteúdos aprendidos nas disciplinas regulares para quem quer continuar estudando depois.

Expandir o técnico para atender a quase metade dos jovens, oferecendo uma formação alinhada com suas necessidades profissionais subsequentes, seria a maneira mais eficaz de manter esses jovens na escola e prepará-los para o próximo passo. E este caminho irá suprir as demandas dos próprios estudantes: segundo pesquisas recentes, 48% dos jovens brasileiros gostariam de cursar o ensino técnico.

O caminho, obviamente, não é simples. Além da possibilidade legal, as redes públicas terão desafio de contratar professores de educação profissional ou encontrar instituições parceiras capacitadas para fazer a oferta dentro das suas unidades escolares. Para boa parte dos cursos técnicos, será preciso ajustar a infraestrutura e os equipamentos das escolas. E, finalmente, há de se ter políticas para apoiar a empregabilidade dos estudantes. Mas tudo isso precisa ser facilitado por uma legislação do ensino médio que mantenha a porta aberta para a expansão da educação profissional.

Mais horas na escola e ensino técnico integrado com cobertura muito maior —se queremos uma escola mais atraente para os jovens e educação como a do primeiro mundo, essa é a agenda de que deveríamos estar falando!

TENDÊNCIAS / DEBATES
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