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José Maria Arruda de Andrade

A quem interessam os recursos do Sesc e Senac?

Interesse primário de tal inovação parece ser, antes, a geração de nova fonte de custeio

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José Maria Arruda de Andrade

Professor da Faculdade de Direito da USP

A recente notícia de que a Câmara de Deputados propôs direcionar 5% dos recursos arrecadados do Sesc e Senac para a Embratur despertou a atenção daqueles que estudam as questões fiscais e daqueles interessados na gestão de tais recursos.

Trata-se da inserção de dois artigos novos em um projeto de conversão em lei de medida provisória (PLV 9/2023 da MPV 1.147/2022), que tratava de outro tema —a saber, a alteração dos incentivos tributários do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).

Esse texto não trata da importância do turismo para o Brasil, mas busca situar a existência daqueles tributos no arcabouço constitucional brasileiro e o potencial risco de se incentivar a prática de aprovação de desvios do produto de sua arrecadação.

Unidade do Sesc Pompeia em São Paulo - Daigo Oliva - 3.jan.12/Folhapress - Folhapress

A Constituição brasileira é reflexo da cultura de sua época e de sua conjuntura, representando exemplo típico do constitucionalismo inaugurado no início do século 20, que marcou a expansão dos deveres estatais para com o processo econômico e social, determinando uma atuação em temas como educação, formação cultural, aprimoramento do trabalhador e função social dos bens de produção; tudo isso como forma de se equilibrar a relação entre capital (livre iniciativa) e a valorização do trabalho.

No Brasil, a educação e a cultura são elementos indispensáveis para o atingimento do desenvolvimento econômico e da redução das desigualdades. Fixados tais objetivos, seu custeio se dá a partir do Orçamento público como um todo e, por vezes, em conjunto com entidades privadas de interesse setorial, que recebem recursos financeiros por meio de tributos. Dois deles, existente desde a década de 1940, e recepcionados pela nossa Constituição de 1988 (art. 240), são as contribuições ao Sesc (Serviço Social do Comércio) e ao Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).

No caso do Sesc, busca-se contribuir para o bem-estar social e a melhoria do padrão de vida dos comerciários e suas famílias; no do Senac, promove-se a criação e administração de escolas de aprendizagem comercial e de cursos práticos, de formação continuada ou de especialização para os empregados adultos do comércio.

Funcionários do Sistema S fazem manifestação em SP contra o repasse de 5% do orçamento para a Embratur - Wagner Vilas - 16.mai.23/Agência Enquadrar/Folhapress

A inovação aprovada pela Câmara dos Deputados, agora submetida ao Senado Federal, desperta dúvida quanto à sua validade por trazer tema estranho ao programa emergencial de retomada de eventos e de seu incentivo por meio de renúncias tributárias. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou contrariamente a tal tipo de contrabando legislativo (ação direta de inconstitucionalidade 5.127).

O interesse primário de tal inovação parece ser, antes, a geração de uma fonte nova de custeio —sob o manto de tributo antigo— para uma entidade que deixou de ser autarquia federal e passou a ser agência de serviço social autônoma.

Mas, acima de tudo, o que desperta a atenção em relação ao afogadilho de tal alteração é para a possibilidade de se criar, por meio de diversas iniciativas desse tipo, uma tredestinação dos recursos de tributos já existentes em favor da eleição de novas atividades e objetivos, sem o procedimento legislativo próprio de criação de contribuição setorial nova e sem o debate público e transparente daquilo que se pretende, de fato, financiar e o seu custo.

A figura da tredestinação é a constatação de desvio do fruto de arrecadação de tributo finalístico para outra finalidade, estranha à original do tributo.

No momento em que se debate formas alternativas de financiamento da seguridade social e das entidades terceiras, desonerando a folha e buscando novas bases econômicas, os tais puxadinhos e desvios da finalidade original parecem comprometer a transparência fiscal e a deliberação pública em torno do que, de um lado, as empresas financiam e, de outro, do que se persegue como objetivo constitucional fundamental de cultura e educação.

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