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Carlota Aquino Costa e Carlos Octávio Ocké-Reis

A saúde financeira dos planos de saúde

Operadoras não mencionam a lucratividade que antecedeu suposta crise

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Carlota Aquino Costa

Diretora-executiva do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)

Carlos Octávio Ocké-Reis

Economista, é doutor em saúde coletiva pelo Instituto de Medicina Social Hesio Cordeiro

Nas últimas semanas multiplicaram-se notícias alertando para a eclosão de uma crise no mercado de planos de saúde. Mais do que focar nos motivos, as informações miravam principalmente a resposta à "ruína" do setor: altos reajustes nas mensalidades e ações de combate a fraudes são alguns exemplos.

A estratégia não é nova. Argumentos similares foram usados em outras datas, sempre a justificar o sacrifício do consumidor em prol do reequilíbrio financeiro do mercado: entre 2015 e 2019, em função da crise econômica, houve queda no número de consumidores, o que foi alardeado como ameaça à sustentabilidade dos planos. Na prática, a despeito da crise, o setor cresceu em receita e lucro no período.

UTI (Unidade de Terapia Intensiva) da Santa Casa de São Paulo - Joel Silva - 4.jul.2018/Folhapress - Folhapress

Na mesma linha, em 2020, no início da pandemia, as incertezas foram usadas contra demandas justas como a unificação de filas de leitos públicos e privados, a não aplicação de reajustes ou a realização de testes em massa —e até mesmo a suspensão de prazos de atendimento conseguiram garantir. O resultado foi inequívoco: lucros e operações financeiras recordes.

Derivada da retomada do uso de serviços de saúde após o arrefecimento da pandemia, além dos elevados custos administrativos (leia-se ineficiência), a alegada nova crise se resume aos resultados operacionais das operadoras. Na prática, a "financeirização" permitiu o equilíbrio das contas, com o setor fechando o ano no "zero a zero", segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Enquanto isso, a lucratividade e rentabilidade que antecederam a suposta crise jamais foram mencionadas, sobretudo nas operadoras líderes, e análises que apontam para o seu colapso passam ao largo de entendimentos favoráveis ao mercado no Judiciário, bem como de fusões e aquisições e do pico histórico de novos usuários em 2022.

Ao mesmo tempo em que diversos mercados —como turismo e aviação, para dar alguns exemplos— sofreram duras perdas na pandemia, os planos de saúde testemunharam o período de menor sinistralidade e lucros recordes em 2020. E agora mobilizam a opinião pública sinalizando um resultado que não chegou nem perto do caos enfrentado em outros mercados para justificar reajustes estratosféricos. Será mesmo que o setor esperava que os anos seguintes seriam de desempenho parecido com 2020? E, se chegamos nesse nível de amadorismo, é justo ainda repassar ao consumidor a ineficiência que o mercado —e indiretamente a reguladora— produziu?

É preciso dar um basta à retórica alarmista, sempre oposta ao consumidor, à concorrência regulada, à qualidade dos serviços e ao interesse público. Um setor com volumosas isenções fiscais e que no ano passado faturou R$ 237,6 bilhões no segmento médico-hospitalar não está à beira do colapso.

Erros na quantificação e diluição dos riscos não podem ser repassados ao consumidor sob a ameaça de que a alternativa será a desassistência. E a mera ausência de lucro não deveria pautar decisões da ANS ou qualquer outra autoridade, uma vez que essas sim poderão causar prejuízos incalculáveis à saúde física, mental e financeira das famílias brasileiras.

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