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Guilherme Cezar Coelho

Isenções em xeque

Nova regra fiscal impõe revisão dos gastos tributários, inclusive o Simples

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Guilherme Cezar Coelho

Fundador da Samambaia.org e membro do Conselho de Governança do Gife (Grupo de Institutos e Fundações Empresariais)

Como revelado por esta Folha ("Nota da Receita alerta sobre riscos políticos em corte de gastos tributários", 27/4), a Receita Federal recomendou, ainda em 2019, uma revisão lenta, gradual e segura das isenções fiscais, de maneira integrada a uma reforma tributária. Dos 4,5% do PIB gastos com isenções —e que no ano que vem somarão R$ 486 bilhões—, deveríamos rever, reduzir e chegar a 2%, com transições, previsibilidade e segurança jurídica.

Como sabemos, a proposta do novo arcabouço fiscal requer uma reforma tributária, pois exige mais arrecadação. E isso não quer dizer necessariamente aumento de impostos. O Brasil tem uma oportunidade de cortar gastos: cortar gastos tributários, as chamadas "isenções". Uma colcha de retalhos sobre a qual há pouca métrica ou transparência e que soma o dobro do rombo no Orçamento federal para este ano. Aqui é possível —e devido— um ajuste fiscal. É um ótimo desafio, não apenas para o Executivo Federal, mas também para o Tribunal de Contas da União (TCU) e, especialmente, para o Congresso.

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad; equipe econômica espera que parte do aumento de receita venha da suspensão ou revisão de gastos tributários - Ronny Santos -7.abr.23/Folhapress - Folhapress

Pesquisas do Centro de Estudos da Metrópole (USP), lideradas por Marta Arretche, revelam que 67% das propostas em matéria tributária apresentadas na Câmara e no Senado entre 1988 e 2020 tratavam de isenções fiscais. Agora, na tramitação da reforma tributária, não só não podemos permitir que essa história se repita como devemos rever todas as isenções concedidas —incluindo o Simples, que é a maior delas. E, pensando de maneira integrada, o jeito de se melhorar o Simples —e ajudar no crescimento e evitar a sonegação— é, no momento de uma revisão do modelo, reduzir o Imposto de Renda da Pessoa Física e da Pessoa Jurídica.

Um sistema tributário é reflexo dos valores de uma nação. Pois bem, somos confusos, desiguais; desgraçados para muitos e idílicos para poucos. A partir da obrigatória reforma dos impostos sobre consumo —que é o óbvio ululante e em breve terá um relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB)— precisamos chegar a uma reforma tributária integral, revisando também os impostos sobre renda e patrimônio (além, certamente, das isenções fiscais). E comunicando isso desde já. Nosso cipoal tributário é irracional, desestimula a economia, precariza o emprego e atrapalha o empreendedorismo. Só temos a ganhar.

Uma discussão que deve ser feita de maneira também articulada é sobre como taxar lucros e dividendos. A partir de 1996, o Brasil parou de fazê-lo —o que foi compensado por uma elevada alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ): 34% (a média nos países membros da OCDE é de 21%).

No entanto, estudos de Rodrigo Orair, Bráulio Borges e Sérgio Gobetti revelam que a taxa média efetiva de IRPJ no Brasil é, de fato, 22% —graças a acrobacias contábeis e jurídicas, que custam uma fortuna às empresas e são parte do "custo Brasil". E há quem pague ainda menos. A Petrobras, por exemplo, manobrou por anos uma alíquota efetiva de 17%. Logo, para taxar lucros e dividendos —e colocar empresas em pé de igualdade (e oportunidade)— é preciso também baixar o IRPJ. A tendência mundial é tributar menos as empresas e mais a renda. É nessa direção que dá certo. Temos muito a fazer para além da reforma sobre os impostos de consumo.

Um bom guia para pensar impostos de maneira integrada, e reorganizar o nosso sistema para melhor, é o livro "Progressividade Tributária e Crescimento Econômico", recentemente lançado pelo Observatório de Política Fiscal do Ibre/FGV e organizado pelo economista Manoel Pires.

Há momentos decisivos em que se leem o caráter de uma nação —e que forjam o seu futuro. Assim será o ano de 2023 no Brasil. Com o país cansado de pagar o pato por um sistema tributário disfuncional, há agora caminho para um pacto por mais crescimento, formalização e menos regressividade. Tudo junto, e juntas.

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